O ex-primeiro-ministro timorense Xanana Gusmão rejeitou qualquer irregularidade no programa de reabilitação de estradas em Díli, num texto enviado à Câmara de Contas, após uma auditoria à execução orçamental do Fundo de Infraestruturas em 2015.

Xanana Gusmão afirmou, no texto, que o governo teve em conta a realidade do país, e quis apoiar as empresas timorenses e melhorar a eficácia das obras.

Estas são algumas das linhas essenciais do texto de contraditório que Xanana Gusmão enviou, em seu nome e de ex-governantes, na sequência de um relatório da Câmara de Contas (CdC), que fez uma auditoria à execução orçamental do Fundo de Infraestruturas em 2015.

Xanana Gusmão, que em 2015 era primeiro-ministro, e posteriormente ministro do Planeamento e Investimento Estratégico, respondeu à Câmara de Contas em nome de todos os membros do Conselho de Administração do Fundo de Infraestruturas (CAFI).

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O ex-primeiro-ministro lembra que uma fatia significativa das obras públicas tinha, até então, sido atribuída a empresas internacionais que “instalam-se em Timor, executam a obra, fecham as portas e vão embora”, pelo que defende “discriminação positiva” em prol de empresas timorenses.

“Estamos convencidos que é uma função do governo a capacitação das empresas nacionais, preferindo a sua contratação em relação a empresas estrangeiras, sempre que tal contratação não represente um aumento de custos para o erário público”, refere o texto.

“Precisamos de mais empresas nacionais, com mais experiência, para que estas possam, no médio/curto prazo apresentar-se aos concursos públicos internacionais em pé de igualdade com os gigantes internacionais”, sublinha.

Como exemplo do desequilíbrio, o contraditório nota que 78% de todos os contratos atribuídos pelo Fundo de Infraestruturas (FI) entre 2011 e 2018, no valor de mais de 2,46 mil milhões de dólares (cerca de 2,3 mil milhões de euros) foram para empresas internacionais.

Empresas timorenses receberam apenas 22% dos contratos num valor de 680 milhões de dólares, sendo que nesse grupo fazem parte empresas afiliadas de empresas internacionais, como a espanhola San Jose (25,56 milhões) ou a portuguesa Ensul (6,54 milhões).

O texto rejeita igualmente as críticas sobre o não cabimento orçamental do programa, e defende essa necessidade por não haver orçamentos plurianuais e de alguns projetos avançarem mais rapidamente que outros.

O contraditório defende a opção de avançar com urgência no programa, notando que na altura, a realização de um concurso público internacional demorava entre um e dois anos, que seria ampliado dado o número de concursos e a falta de recursos da Comissão Nacional de Aprovisionamento (CNA).

Nota ainda a “incapacidade técnica” que se tinha vindo a demonstrar na gestão de contratos de obra pública de grande dimensão, que se prolongaram no tempo e que evidenciaram graves problemas.

Daí, explica, ter sido deliberado no CAFI optar por contratos “mais pequenos, com menor volume de trabalhos a serem executados, tornando a sua gestão e fiscalização mais fáceis“.

Essa solução, sustenta, mostra que foi possível “reduzir os custos totais, conseguir uma gestão mais eficaz”, e “refuta por completo todas as afirmações do relato referentes a uma divisão artificial da obra pública para escapar ao controlo jurisdicional das infraestruturas rodoviárias”.

O texto questiona os critérios usados pela CdC para afirmar que houve intencionalidade dolosa na divisão de trabalhos entre os diferentes contratos, afirmando que atuou tendo em conta os interesses do país.

O texto defende a decisão do CAFI de aplicar a autonomia de que goza o fundo para alterar programas e projetos durante o ano, frisando que isso ocorreu pelo “atraso em alguns projetos e a necessidade de avançar urgentemente com outros”.

Os governantes explicam a motivação do programa de estradas, considerando-o urgente para lidar com as vias “muito degradadas” da capital que, em muitos casos, só permitiam a circulação de veículos todo-o-terreno.

“Impunha-se, no âmbito da política de mobilidade urbana conferir as condições necessárias para transformar a cidade numa urbe onde os veículos ligeiros (muito mais acessíveis financeiramente) fossem capazes de circular”, nota o contraditório.

Responder aos problemas das cheias que as fortes chuvas sazonais provocavam em Díli foi outra das motivações, tal como a decisão de melhorar os sistemas de drenagem “muito degradados”, no âmbito do programa de reabilitação das estradas.

Finalmente, o documento refere-se ainda aos esforços do governo para erradicar a malária em Timor-Leste, o que exigia melhorias no sistema de escoamento das águas. A doença foi totalmente eliminada em 2017, com praticamente nenhum caso registado desde 2013.

Xanana Gusmão critica a metodologia seguida pela CdC, “ultrapassando de forma sistemática aquilo que deveria ser uma auditoria de conformidade”, contestando igualmente que a instituição, em vez de se concentrar apenas em 2015, “extravasa manifestamente” esse período na análise feita.

Isso implica, sustenta, que da auditoria se devem retirar as referências a vários dos projetos por serem anteriores a 01 de janeiro de 2015 ou posteriores a 31 de dezembro desse ano.

O ex-PM considera que o relato da CdC “prossegue outros objetos ou fundamentos que não os estabelecidos” pela instituição, ou neste caso, uma auditoria à conformidade à execução orçamental do FI em 2015.

Em vez disso, considera, o relato “analisa e opina aleatoriamente sobre a execução de empreitadas de obras públicas, o preço do crude no mercado internacional, o regime jurídico de certificação de empresas, a qualidade da engenharia”, entre outros aspetos.

“Opina sobre o que quer. E, surpreendentemente parece esquecer de opinar sobre como decorreu a execução da dotação orçamental”, refere.

“O relato limita a 17 singelas páginas descritivas e sem qualquer observação, pelo que o resultado da auditoria só pode ser o de o FI ter executado o seu orçamento, durante o ano de 2015, em conformidade”, sublinha.