É uma trapalhada épica, daquelas que poucos imaginavam que ainda pudessem acontecer, com contratos milionários, anúncios espampanantes e um fracasso estrondoso à mistura. Anunciado como um festival de grande escala que comemoraria este verão os 50 anos do mítico festival de Woodstock, o Woodstock 50 chegou a ter um cartaz onde constavam estrelas como Jay-Z, Miley Cyrus, The Killers, The Black Keys, Chance The Rapper e os mais veteranos — que atuaram no Woodstock original, em 1969 — John Fogerty (dos Creedence Clearwater Revival), David Crosby e Santana. Esta quarta-feira, cerca de duas semanas antes da data prevista, o Woodstock 50 foi cancelado.

O destino do festival não é particularmente surpreendente, dado que os problemas da organização para garantir a realização do festival eram já notórios desde abril. Não o eram quatro meses antes, em janeiro, quando Michael Lang, promotor do Woodstock de 1969, anunciou a realização de um grande festival para comemorar a história do evento mítico que aglutinou como nenhum outro os grandes intervenientes musicais dos anos 1960 e da contra-cultura hippie.

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A ideia de comemorar a história do festival Woodstock já tinha sido materializada mais do que uma vez. Em 1994 e 1999, por exemplo, foram realizados festivais de comemoração do mítico evento de quatro dias que levou mais de 400 mil pessoas a Nova Iorque, no final dos anos 1960, para ouvirem Ravi Shankar, Joan Baez, Grateful Dead, Janis Joplin, Sly and the Family Stone, The Who, Jefferson Airplane, Joe Cocker, Country Joe and the Fish, Jimi Hendrix e Crosby, Stills, Nash & Young, entre outros. Em ambas as edições de comemoração, 1994 e 1999, houve problemas de sobrelotação e, em especial na edição de 1999, também de segurança, com relatos de vários crimes registados e denunciados.

Este ano, porém, assinalava-se meio século do festival nova-iorquino e Michael Lang garantia: desta vez é que era. A organização estava a ser delineada ao detalhe e tudo correria bem. Mas os problemas começaram logo no final da primavera, com relatos de pagamentos atrasados a artistas (que, porventura escaldados com edições comemorativas do Woodstock anteriores, exigiram “sinais” antecipados) e de uma contenda entre organização e uma empresa de produção externa sobre a dimensão da lotação que o festival deveria ter. Para os organizadores, seria desejável que o festival tivesse mais de 100 mil pessoas na assistência. Para a empresa de produção externa, a Superfly, o festival não deveria ser para mais de 65 mil espectadores.

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Em abril, surgiu o primeiro sinal de que o planeamento poderia não estar a correr de acordo com o previsto: a venda de bilhetes, com início previsto para esse mês, foi adiada. Logo surgiram os primeiros rumores de cancelamento, prontamente negados pelo promotor Michael Lang e pela organização. Daí em diante, porém, sucederam-se as complicações: recuo de patrocinadores e empresas de produção (nomeadamente a Superfly) com quem a organização entrou de seguida em contendas judiciais, cancelamento de artistas, problemas com licenças para que o festival pudesse acontecer em Watkins Glen, Nova Iorque, como inicialmente previsto, planos de segurança chumbados pelas autoridades.

Nos últimos dias, além de libertar os artistas das obrigações inicialmente estipuladas nos contratos (assinados quando se esperava que o Woodstock 50 tivesse lotação de mais de 100 mil espectadores) — pelo que ninguém sabia quem atuaria no festival —, a organização tinha tentado levar o festival para um novo local, em Maryland, a mais de 500 quilómetros de distância de Nova Iorque. Estudava-se, também, que em vez de bilhetes com custos elevados (mais de cem dólares por bilhete diário, como inicialmente previsto), o festival pudesse ser um evento de beneficiência, com entrada gratuita e donativos definidos por cada espectador.

Tudo ruiu: os organizadores afirmaram ter ficado “sem tempo” necessário para a organização depois da perda dos patrocínios e das disputas legais com parceiros de produção e Michael Lang afirmou lamentar que “uma série de contratempos inesperados tenha tornado impossível organizar o festival que imaginámos com o grande cartaz que montámos e com a adesão social que antecipávamos”. Não havendo festival de comemoração, não há motivo para que morra a nostalgia: basta atentar na playlist abaixo, criada por um utilizador da plataforma de streaming Spotify que decidiu compilar quase todas as canções tocadas há 50 anos no Woodstock, por ordem cronológica das atuações.

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