O que interessa saber
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Nome: Bicho Mau
Abriu em: Abril de 2019
Onde fica: Rua Coelho da Rocha, 21A, Lisboa
O que é: Mais uma boa escolha para quem procura a simplicidade e criatividade de um bistrot contemporâneo virado para a gastronomia típica portuguesa.
Quem manda: O casal de cozinheiros Rita Gama e Tomás Rocha
Quanto custa: Entre 20€ e 35€, preço médio
Uma dica: Os lugares “ao balcão” não só são virados para a cozinha como ficam no mesmo lugar onde se terminam quase todos os pratos. Um bom lugar para quem tem a curiosidade de ver como tudo se faz.
Contacto: 211 608 694
Horário: De quarta a sábado, das 12h30 às 15h e das 19h30 às 22h30 (domingo das 12h30 às 16h3)
Links importantes: Facebook, Instagram
A História
Bicho Mau pode não soar a referência convidativa, mas tudo acaba por ter sempre uma razão de ser. É no bairro de Campo de Ourique, em Lisboa, que o casal de cozinheiros Tomás Rocha e Rita Gama alimentam todos aqueles que procuram o seu primeiro e novo restaurante, o tal Bicho Mau. A explicação: “Desde pequena que a minha mãe me chama bicho mau, é um nome carinhoso. Ainda me liga a dizer ‘Então bichinho, estás boa?'”, conta Rita de sorriso na cara. De jaleca branca e fita colorida na cabeça apresenta Tomás e começa a explicar o caminho que os levou até ali.
“Normalmente as pessoas vêm da América do Sul para a Europa para estudar cozinha, eu não. Fiz o contrário”, afirma. Rita formou-se em design nas Caldas da Rainha e foi depois de terminar esse curso que decidiu ir para a Colômbia em busca de uma possível carreira ligada a esta área. Como tantas vezes acontece a vida trocou-lhes as voltas e surgiu a possibilidade de cultivar outra área de interesse que sempre a fascinara, a cozinha. Inscreveu-se num curso de cozinha nesse país sul-americano — era a única rapariga da sua escola — e foi assim que começou a sua carreira entre fogões e tachos. Por muito que o seu primeiro contacto com a área, numa das suas primeiras aulas na Colômbia, tenha sido a aprender a desmanchar porquinhos da Índia (uma iguaria naqueles lados do globo), eventualmente acabou por ir parar ao O Talho, primeiro, e à A Cevicheria depois. Foi nesta última casa do chef Kiko que conheceu o rapaz que está agora ao seu lado.
“Sempre tive a ‘pancada’ de ser cozinheiro, desde miúdo que tenho essa vontade, mesmo tendo em conta que ninguém na família esteve ligado à hotelaria”, conta Tomás. Logo aos 16 anos decidiu inscrever-se num curso profissional na Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, especializou-se e foi fazendo a sua vida e os seus estágios sempre pela Europa antes de aterrar no popular espaço onde conheceu Rita.
Deram-se bem desde o início e Rita recorda que já nessa altura discutiam a possibilidade de um dia se atirarem num projeto a solo. Antes disso, porém, foram juntos para a cidade francesa de Nice a convite de um empresário luso. “O Peixes [nome do restaurante para onde foram os dois trabalhar] foi muito importante no nosso trajeto porque permitiu-nos ter maior liberdade na criação de pratos”, afirma Tomás antes de esclarecer que no total estiveram lá um ano e meio. Só depois disso é que finalmente se viraram para este Bicho Mau.
O Espaço
Cores leves, mobiliário simples e utensílios também em tons neutros: estas têm sido as características decorativas dominantes numa série de espaços que têm inaugurado ultimamente, que também surgem neste Bicho Mau e que por enquanto ainda não se tornaram demasiado repetitivas. De fora, porém, há um chamariz vibrante que não os faz enganar no número da porta — numa rua normal deste bairro residencial lisboeta surge a fachada verde, em madeira, que serve de cara a este novo bistrot. Passada a porta de entrada percebe-se que o espaço estende-se para a frente e é depois das várias mesas de ar minimalista que surge o balcão, elemento principal de toda a dinâmica do restaurante que funciona quase como extensão da cozinha, quem o diz é o próprio Tomás: “Este sítio já era um restaurante por isso em termos de estrutura não tivemos de mudar muita coisa. Mantivemos tudo como estava com a diferença de que esticámos a cozinha até ao balcão. Ele tornou-se numa zona de finalização mas também numa área onde são preparados alguns pratos. Só os quentes e coisas que tenha de ser cozinhadas é que vêm da outra cozinha.”
Uma certa temática quase “tropical” faz-se notar em pormenores como o pequeno macaco de loiça que aparece pendurado no balcão ou nos papagaios que estão espalhados pelas prateleiras que ajudam a decorar o espaço. É um sítio bonito, no geral, mas a sua dimensão mais reduzida é bênção e maldição ao mesmo tempo. Por um lado têm pouca zona de armazenamento e — “O que aqui existe é o que temos, não há mais espaço nenhum, nem lá para trás ou para baixo. Temos de ter uma gestão quase diária do que fazemos.” — mas por outro lado isso só reforça ainda mais a garantia de que aquilo que aqui se come é fresco, local e feito na hora. “É bom porque dá-nos espaço para inovar. Trabalhamos sempre com coisas frescas e rodamos mais vezes a carta por causa disso”, remata Tomás. Passemos à comida, então.
A Comida
Se dúvidas existem de que há toda uma tendência a crescer em Lisboa que valoriza espaços muito simples, despretensiosos, mas com grande criatividade e técnica nos pratos, já era tempo de desaparecerem de uma vez por todas. Cada vez têm surgido mais destes modernos bistrots e com eles surge toda uma nova geração de jovens cozinheiros que vão dando os primeiros passos. Equilibrando todo o “mundo” que foram absorvendo com o receituário e produtos típicos do seu país vão incentivando novos clientes e, aos poucos, “convertendo” os mais antigos à ideia de que a comida criativa não mora só atrás das estrelas Michelin e de preços proibitivo. Que podem existir mais coisas entre a tasca e o fine dining. Este Bicho Mau cai nesta categoria, apesar das normais dores de crescimento de qualquer um que se aventura a solo pela primeira vez.
Sazonalidade e sustentabilidade são palavras de ordem e tanto Rita como Tomás garantem que trabalham principalmente com pequenos produtores nacionais. Os condicionamentos de espaço já mencionados servem de estimulo à criatividade porque ao não poderem ter muita coisa armazenada são forçados a trabalhar com aquilo que há disponível quase diariamente daí ser difícil haver sempre os mesmos pratos — fator positivo para quem gosta de experimentar coisas novas. Se passar por lá nos próximos tempos é provável que encontre combinações como as fatias de pão da Terrapão (padaria altamente recomendável que fica no Mercado de Arroios, também em Lisboa) com manteiga e rillettes de patos (4€; quando o Observador visitou o espaço já não havia esse preparado de pato por isso foi substituído por lascas de banha de porco ao jeito do lardo italiano); o prato chamado “São Jorge fumou o peixe”, um trocadilho com a receita que leva peixe branco fumado, queijo São Jorge e pickles (14€); o já popular “Kraken da Floresta”, uma mistura de lula de anzol com pinhões e eucalipto (12€) ou o pecaminoso “porco que queria ser ovelha”, uma espécie de sanduíche que tem brioche caseiro como base de mistura entre couve fermentada e porco Mangalitsa (15€), espécie muito peluda originária do leste europeu e rica em gordura.
No capitulo das sobremesas há que provar aquela que promete vir a ser um ex-libris da casa e que é composto por creme de banana, queijo e crumble de canela (6€), uma mistura não muito doce que surge com açúcar caramelizado no topo ao jeito do tradicional créme brulee — “Foi uma das receitas que trouxemos de Nice, criámo-la lá e gostámos tanto que não conseguimos não colocá-la no menu”, afirma Tomás. Para ajudar tudo isto a deslizar ainda melhor há toda uma carta de vinhos pensada a meias com o escanção Alejandro Chávarro, colombiano naturalizado francês que depois de trabalhar em alguns dos melhores restaurantes do mundo mudou-se para Portugal por amor (a mulher e o filho pequeno são portugueses). Este sommelier é especialista nos chamados “vinhos naturais” ou de intervenção mínima daí ser este o perfil/tipo predominante das referências (nacionais e estrangeiras) que têm à disposição. Os ferozes opositores desta variedade vínica podem ficar descansados porque também existem “vinhos convencionais” como o Casa da Carvalha, um tinto do Dão que é feito pela família de Tomás e dificilmente encontrará à venda noutros sítios que não aqui.
“Cuidado, está quente” é uma rubrica do Observador onde se dão a conhecer novos restaurantes.