– Quanto é que custam estes jerricãs?
– 9 euros e 60 [cêntimos].
– Só tem estes?
– Já só temos esses.

O diálogo, muito em voga por estes dias, ouviu-se esta quinta-feira à tarde numa bomba de gasolina em Lisboa — mas ter-se-á também multiplicado provavelmente em vários postos de combustível do país e em outras tantas superfícies comerciais. Deste diálogo na gasolineira lisboeta para diálogos em outros pontos do país, só terá mesmo mudado o preço dos jerricãs. Ali, aqueles 9,60€ pareceram suficientes para deixar desalentado um jovem condutor, que rapidamente largou o recipiente vermelho que tinha na mão e na mira.

Quando a conversa do preço dos jerricãs veio à baila, o dia já ia longo para os funcionários da Galp da Avenida Engenheiro Duarte Pacheco, junto às Amoreiras, em Lisboa. O posto de combustível foi um dos dez de Lisboa escolhidos pelo Governo para integrar a Rede Estratégica de Postos de Abastecimento (REPA), um conjunto de mais de 300 gasolineiras que terão de ser abastecidas com a regularidade e quantidade habitual pelos motoristas de matérias perigosas mesmo que a greve do setor avance. Não houve corrida caótica ao combustível mas o dia na bomba mais parecia fim-de-semana, dada a afluência generalizada aos postos de abastecimento.

Temos tido muito abastecimento combustível, ainda esta noite vem mais um camião. O que não quer dizer que num fim-de-semana…”, ouvíamos uma funcionária dizer entredentes.

“Desde as 7h que há movimento”, notava um funcionário de um serviço da bomba de gasolina, por volta das 10h, em conversa de circunstância com um cliente. “Hoje isto não pára, há sempre movimento. Mas por enquanto está tranquilo, não há muita gente”. Por outras palavras: naquela manhã, a afluência à bomba de gasolina lisboeta era maior, notava-se mais gente a tentar abastecer o carro e a moto, mas os veículos iam chegando a conta-gotas, à vez, nunca entupindo por completo o espaço com 12 postos de abastecimento.

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Talvez por não se ter confirmado o cenário caótico de buzinões e estrada transbordada que se chegou a temer, quem se deslocou àquele posto durante a manhã notou o tempo de espera superior ao habitual mas não perdeu a descontração. Um condutor ouvido pelo Observador chegou mesmo a dizer que estava “relativamente tranquilo” por ainda acreditar que “não vai haver greve” e que “vai correr tudo bem”. Só tinha ido abastecer o carro, aliás, por “necessidade” absoluta, por “coincidência”, porque estava mesmo a ficar sem gasolina. Mas mesmo o mais descontraído percebia que havia alguma coisa de diferente no posto de combustível em que habitualmente atestava o carro, à hora a que ali se deslocou esta quinta-feira: “Costumo vir aqui, mas hoje está mais gente”.

“Vou fazer agora duas viagens e preciso de gasolina, mas também acho que não vai acontecer nada. Ainda não percebi bem se vai haver greve ou não, mas estou confiante que não vai haver. E mesmo que aconteça, da última vez consegui safar-me”, contou ainda o automobilista “descontraído” ao Observador

Dos condutores ouvidos pelo Observador, praticamente metade garantiu que não tinha ido pôr combustível esta quinta-feira exclusivamente por causa da greve ou da declaração do Governo do dia anterior, que decretou um “estado de emergência energética” no país. Coincidia, isso sim, algum receio controlado face a uma possível falta de combustível daqui por uns dias com o facto de muitos condutores precisarem mesmo (e com alguma urgência) de encher o carro de gasóleo ou gasolina.

Foi o caso de Lucília Medeiros, que não escolheu o dia de atestar — véspera de sexta-feira, quase vésperas de fim-de-semana e de possível greve — com grandes cuidados por causa do que aí pode vir. Foi coincidência: “Costumo ter o carro geralmente quase cheio. Hoje como vi que estava só com um quarto de depósito, resolvi vir porque vou ali para Sete Rios. Agora estou aqui à espera…”. Lucília tem o hábito de ir “sempre” à bomba que serve muitos condutores que fazem a A5 no sentido Lisboa-Cascais. Por isso mesmo, é analista privilegiada do que foi a manhã no posto de combustível. “Hoje está mais movimento. Ao fim-de-semana há sempre movimento, mas hoje [um dia de semana] está mais” do que o habitual, “principalmente a esta hora”, apontou.

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Depois de uma manhã sem caos mas com trabalho constante para os funcionários da gasolineira, temia-se que a tarde viesse acentuar a confusão. “Espere aí pelo meio-dia e vai ver”, dizia um funcionário, em jeito de receio. A previsão não acertou inteiramente ao lado, antes pelo contrário: entre as 11h45 e as 12h15, aproximadamente, houve um pico de afluência à bomba de gasolina da Avenida Eng. Duarte Pacheco, em Lisboa. Os carros começaram a atolar-se e encarrilar-se uns atrás dos outros até praticamente à entrada da bomba, ameaçando mesmo criar uma fila fora do perímetro que invadisse a estrada.

Falso alarme: com o avançar da hora de almoço, as filas foram ficando gradualmente mais controladas. Quase nunca se viram menos de quatro carros por cada uma das seis filas para abastecer, mas o limite máximo de sete ou oito carros por fila, que atrasava o abastecimento mas não transbordava a bomba (não provocando assim trânsito acrescido para a A5), foi mantido.

Controlar a dimensão das filas não foi possível sem esforço acrescido dos funcionários. Durante a tarde, era vê-los quase como polícias sinaleiros, de colete fluorescente vestido, ora orientando uns condutores para avançar ora pedindo a outros que aguardassem, muitas vezes agilizando até o processo de pagamento nas máquinas automáticas — que aqui e ali criava dúvidas. No interior da gasolineira, um condutor atirou uma piada bem humorada: “Devia pôr na porta do meu restaurante que ia acabar o camarão!”

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Também se ouviram críticas aos motoristas de matérias perigosas e ao anúncio da greve que aí vem, mas poucas. Quase toda a gente parecia já resignada com uma possibilidade que foi avançada há semanas. A maior parte dos condutores ouvidos registou aliás as declarações do Governo, que sugeriu aos cidadãos que se “precavessem” para uma possível greve. Esta quinta-feira isso foi especialmente visível — e as filas não deverão diminuir nesta sexta-feira e no fim-de-semana, antes pelo contrário. A larga maioria opta agora por atestar inteiramente o depósito, são dias longos mas felizes para as caixas registadoras. Mas nem toda a gente deixou o carro sem espaço para um pingo mais de combustível. Foi o caso de um condutor que admitiu: “Vou para a Amareleja, para o Alentejo. Vou só pôr aqui pouco gasóleo porque normalmente abasteço em Espanha”.