Se a guerra do Iémen nunca foi simples, agora acabou de ficar ainda mais complicada. Este sábado, as forças armadas dos separatistas do Sul do Iémen conseguiram tomar o controlo da cidade portuária de Aden, até agora sob domínio do governo do Iémen e das forças leais ao governo de Abdrabbuh Mansur Hadi.

“Tirámos o controlo do palácio de Maashiq das mãos da guarda presidencial sem luta”, disse à AFP um porta-voz do grupo Cintura de Segurança, o braço armado do Conselho de Transição do Sul. De acordo com o mesmo porta-voz, os 200 soldados da guarda presidencial puderam sair em segurança do palácio.

Aden era o principal reduto das forças leais ao governo de Hadi, que para ali se retiraram desde que, no final de 2014, os houthis tomaram controlo da capital, Sanaa. A partir de 2015, Hadi e grande parte do seu governo retiraram-se para Riade, capital da Arábia Saudita e seu principal aliado e fonte de sustento.

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Os separatistas do Sul, congregados em torno do Conselho de Transição do Sul, são apoiados militar e financeiramente pelos Emirados Árabes Unidos. Os separatistas do Sul combatem os houthis, que são também inimigos do governo de Hadi. Porém, esta quarta-feira, os militares do Conselho de Transição do Sul iniciaram uma forte investida sobre as forças leais ao governo em Aden, abrindo assim uma enorme brecha entre as duas frentes que combatem os houthis, apoiados tanto pelo Irão como pelo Hezbollah.

Embora a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos tenham um interesse mútuo em derrotar os houthis no Iémen, já há divergências quanto ao futuro do Iémen. Se a Arábia Saudita é a favor de um Iémen unido, sem uma fratura entre o Norte e o Sul, aos Emirados Árabes Unidos interessa que haja essa divisão, de forma a conseguirem um aliado num hipotético Iémen do Sul. Por isso mesmo, têm promovido de forma ativa os esforços do Conselho de Transição do Sul.

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O Iémen é uma zona historicamente instável, ponto de disputa de impérios coloniais e local de disputas por procuração de potências maiores e mais poderosas do que aquele país, que é reconhecidamente o mais pobre do mundo árabe.

Em 1918, depois de décadas sob o domínio do Império Otomano, que caiu naquele ano com o fim da Primeira Guerra Mundial, o Iémen foi dividido em duas partes: o Iémen do Norte, independente; e o que seria o Iémen do Sul, sob domínio colonial do Reino Unido.

Em 1962, eclode uma guerra civil na Arábia Saudita, com os leais ao governo a serem apoiados pela Arábia Saudita e os republicanos a receberem ajuda do Egito. Enquanto isso, em 1967, o Reino Unido retirou-se do Iémen do Sul, entregando-o ao Iémen do Norte. Porém, ali, as forças separatistas, apoiadas pela União Soviética, conseguiram evitar esse desfecho décadas a fio. Só em 1990, com o definhar do bloco soviético, é que os dois países se uniram sob a liderança do Presidente Ali Abdullah Saleh.

Desde então, o país tinha vivido como apenas um bloco, mas nem por isso de forma estável. Saleh, que se retirou do poder em 2011 no decurso da Primavera Árabe e cujas pretensões de voltar ao poder estão na origem da atual guerra, chegou a dizer em 2008 que governar o Iémen era “como dançar em cima de cobras”.