O aviso da ANTRAM nesta terça-feira lançou a confusão — com a greve dos motoristas, em 24 horas os abastecimentos dos hospitais nas zonas de Lisboa, Leiria e Coimbra ficariam “seriamente comprometidos” —, mas foi rapidamente desmentido tanto pelos hospitais como pelo Ministério da Saúde.

“É urgente que o Governo decrete a requisição civil total para quem, insensível sequer ao abastecimento a hospitais, insiste em incumprir os serviços mínimos“, apelava o advogado da associação patronal, André Matias de Almeida, num comunicado difundido pela agência Lusa. Com os serviços mínimos a não serem cumpridos pelo segundo dia consecutivo, o abastecimento dos hospitais — incluídos nos serviços mínimos de 100% — ficaria comprometido no período de um dia, alegava.

Apesar de o foco da greve estar sobretudo nos combustíveis, que representam a esmagadora maioria dos transportes de matérias perigosas, os hospitais têm uma série de necessidades adicionais que também dependem destes motoristas: os gases medicinais, como o oxigénio liquefeito e outros produtos essenciais para muitos cuidados de saúde prestados nas unidades hospitalares.

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Os hospitais em causa e o Governo apressaram-se a desmentir qualquer impacto da greve. Tudo “absolutamente normal” e sem “nada que estivesse em falta ou em risco de faltar“, garantiu Luís Pisco, da ARS de Lisboa e Vale do Tejo, à Rádio Observador. Pouco depois, fonte oficial do hospital de Coimbra garantiu também que não existiam quaisquer problemas no abastecimento do hospital. Já a administração do hospital de Leiria assegurou que “foi planeado e antecipado” o abastecimento e não antecipava “que haja qualquer constrangimentos” resultante da greve.

O próprio Ministério da Saúde garantiu, na mesma tarde, que todas as unidades estavam “a funcionar normalmente” e que o abastecimento estava garantido através do acesso à rede REPA.

Mas quais são, de facto, as necessidades dos hospitais e centros de saúde que dependem dos motoristas de matérias perigosas?

A primeira — a mais básica — é o próprio combustível, que é fundamental, direta e indiretamente, para o funcionamento normal de um hospital. Indiretamente, devido à dependência dos hospitais de vários fornecedores, nomeadamente dos de medicamentos. Diretamente, devido à necessidade de abastecer frotas de automóveis próprios que asseguram os serviços ao domicílio nas comunidades, o acompanhamento da hospitalização domiciliária e os serviços de cuidados paliativos e cuidados continuados que exigem a deslocação dos profissionais de saúde à casa dos doentes.

Já no que diz respeito ao abastecimento próprio, os hospitais recebem e armazenam em depósitos próprios produtos que têm de ser levados em camiões-cisterna de transporte de matérias perigosas — designadamente gases em estado criogénico. Um dos mais relevantes e necessários para o funcionamento de qualquer hospital é o oxigénio, usado para estabilizar os doentes com dificuldades respiratórias. Outros gases utilizados nos hospitais incluem os necessários para as anestesias gerais em cirurgias e aqueles que servem para a criopreservação de células usadas na procriação medicamente assistida.

Várias fontes do setor — ligadas quer aos grandes hospitais quer ao Ministério da Saúde — explicam que as necessidades dos hospitais no que toca ao abastecimento dos gases variam consoante os serviços que cada unidade oferece.

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Uma das principais características destes gases é que são transportados no estado criogénico, ou seja, em estado líquido a uma temperatura muito abaixo da temperatura ambiente — habitualmente abaixo dos -100ºC. Isto significa que têm de ser transportados nos chamados tanques criogénicos, que são cisternas semelhantes àquelas em que são transportados os combustíveis, mas preparados para produtos com características diferentes.

É que enquanto combustíveis como a gasolina e o gasóleo estão no estado líquido à temperatura ambiente, os gases encontram-se no estado líquido a temperaturas muito baixas. Por isso, as cisternas têm de garantir que aqueles produtos se mantêm à temperatura e à pressão adequadas.

Porém, os hospitais portugueses têm depósitos de grandes dimensões capazes de armazenar estes gases durante muito tempo e não é expectável que as reservas sejam afetadas nos próximos dias. Fontes dos hospitais de Santa Maria (Lisboa) e São João (Porto), dois dos maiores do país, asseguraram ao Observador que as reservas destes produtos não estão em risco.

Fonte oficial do Ministério da Saúde disse que o Governo está a acompanhar de perto a evolução da greve, havendo contacto direto com os hospitais para acautelar qualquer necessidade das diferentes unidades do país.