O Governo definiu limites para o abastecimento de veículos (que são de 25 litros nos postos fora da REPA e 15 nos postos incluídos nessa rede de emergência). Mas quem recebeu instruções diretas para fazer cumprir estes limites — os operadores de caixa das gasolineiras — não compreende como é que é possível impedir que as pessoas tentem contornar a limitação: estão a recorrer ao pré-pagamento e a tentar memorizar a cara dos clientes, mas confessam estar com medo de falhar e ser penalizados por isso. E ouvem dizer “que anda aí GNR à paisana” ou, mesmo, “a ASAE”, a ver se alguém infringe as regras.

O racionamento de combustíveis que está em vigor desde a meia-noite de domingo para segunda-feira procura limitar a quantidade que cada pessoa pode comprar, para evitar o açambarcamento e tentar assegurar que, devido ao risco de escassez, o máximo número de pessoas tenha acesso a pelo menos alguma quantidade de combustível. O comunicado do conselho de ministros de 9 de agosto indica que os limites são definidos “por veículo”: 25 litros para ligeiros e 100 para os pesados.

O que não ficou claro é como é que estes limites iriam ser aplicados. Há um limite de abastecimento “por veículo” mas nunca foi criada qualquer plataforma comum de registo de matrículas para evitar que um mesmo carro abasteça com 15/25 litros numa gasolineira, viaje alguns metros até uma bomba vizinha e encha o depósito com mais 25 litros de combustível.

Assim, quem está por trás do balcão nas gasolineiras recebeu instruções para fazer o possível para memorizar a cara dos clientes e os automóveis. “É claro que isso é impossível. Em alguns casos podemos detetar que é a mesma pessoa, ou o mesmo carro conduzido por outra pessoa, mas é muito difícil ao longo de um turno de várias horas…”, confessa o funcionário de uma gasolineira na A1 para onde o Observador telefonou na tarde de quarta-feira.

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Estamos cá para servir as pessoas. Não estamos cá para decorar carros“, insurge-se o funcionário.

Numa outra gasolineira, mais a norte, uma funcionária diz: “De vez em quando temos cá um fiscal”. Um fiscal de que entidade? Não sabe. “Um fiscal… do Estado”.

E “o Estado não brinca”, acrescenta a mesma funcionária. “É perigoso para nós. Se alguém nos vir a abastecer mais do que 25 litros a uma pessoa, sem nos apercebermos, nós é que nos lixamos. Penso que a multa para o posto é de 2.500 a 40.000 euros, pelo que o patrão ficaria bem zangado…“, afirma a funcionária. “Há colegas meus que estão com medo de vir trabalhar“, com receio de falhar nesta questão dos limites de abastecimento.

Contactado, Francisco Albuquerque, presidente da ANAREC, não se alongou em comentários quando questionado sobre esta questão. “À partida, até agora não tem havido problemas a esse nível“, limitou-se a dizer o responsável, acrescentando que “esse controlo está a ser feito pela ENSE”.

A portaria que declarou a situação de crise energética atribui aos responsáveis pelos postos, no artigo 18, a responsabilidade de assegurar o cumprimento dos limites, ora através do sistema do pré-pagamento, ora encravando os sistemas para esse valor, ora ainda pelo “controlo dos agentes que efetuam o abastecimento”. Não há qualquer indicações de multas no diploma. Apenas refere que “a desobediência e a resistência às ordens legítimas das entidades competentes (…) são sancionadas nos termos previstos na lei geral”.

E o que é que acontece se um condutor desafiar os limites e abastecer mais do que os 25 litros autorizados? Com sorte, nada, desde que o funcionário do posto não esteja para se aborrecer. No Porto, um automobilista contou à reportagem do Observador um caso caricato. Chegou a uma bomba — que, segundo ele, não tinha exposto o aviso sobre os limites — e conseguiu abastecer 40 litros de gasóleo. Quando se dirigiu ao balcão, para pagar, foi-lhe dito que não podia meter mais de 25 litros.

“Fiz-me de parvo, como se não soubesse que havia limite e disse-lhes: olhem, então fiquem à vontade para ir ao carro e extrair os 15 litros que meti a mais”. Obviamente, isso não aconteceu, e o motorista foi à sua vida.

“Se não estiver mais ninguém na loja, pode vir, que arranja-se”

O funcionário de um outro posto de combustível contactado, na ronda que o Observador fez para saber onde existia combustível para abastecer à saída para as férias (de muitos portugueses), confessou que está a fazer “o melhor” que consegue para, com recurso à memória, evitar que uma pessoa abasteça duas vezes. E já aconteceu, garante, alguém tentar fazê-lo — “nós percebemos que era o mesmo carro”.

O mais comum nas bombas de gasolina por esse país fora, porém, é haver pessoas indignadas que querem meter mais do que 25 litros e “descarregam essa insatisfação” em cima dos funcionários, que só estão a cumprir regras.

Vai hoje de férias? Pode (de certeza) abastecer aqui. Veja o mapa

“Há muitos que fingem que não sabem” que há limites em vigor. E, pior, “há muitos estrangeiros que estão cá, não fazem ideia de que há limites e não é fácil explicar — nós não os compreendemos a eles, eles não nos compreendem a nós…”, diz o funcionário.

Foi, também, este mesmo funcionário que disse ao Observador que lhes foi dito, pelos superiores, que iam “ser fiscalizados”. “Disseram-nos que ia haver aí pessoal da GNR à paisana e que carros da brigada iam fiscalizar”, de forma aleatória, parados ao pé das mangueiras de combustível e com um agente no interior da loja de conveniência. Até “se fala”, diz outro funcionário, que é a ASAE (a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica) que está a zelar pelo cumprimento da regra.

É ridículo: Estamos a falar de um carro [equipado com um] radar que em vez de andar na estrada a controlar a velocidade das pessoas está nas bombas a apontar matrículas”.

Numa bomba mais para o interior do país, numa auto-estrada quase na fronteira com Espanha, o funcionário riu-se quando lhe perguntámos, como é que estes limites estavam a ser aplicados: “Que eu tenha visto, não há polícia nenhuma a fiscalizar”.

Então e se eu quiser abastecer com mais do que 25 litros? “Há muita gente que mete 25 aqui e depois dá a volta ao nó e mete mais 25 do outro lado [da auto-estrada]. Ou, então, se eu não o conhecer ou fizer que não o conheço, e se não estiver mais ninguém na loja, pode vir, que arranja-se“.

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