Relaxado, sentado no sofá do terraço da sua casa  e sempre com um sorriso na cara: foi desta forma que Cristiano Ronaldo se apresentou numa grande entrevista concedida à TVI. Ao jeito de um jogo de futebol, a conversa foi dividida em dois momentos: a primeira foi exibida esta terça-feira; a segunda esta quarta-feira. A entrevista mostrou um lado diferente do capitão da Seleção Nacional e cinco vezes melhor jogador do Mundo. Cristiano centrou-se em três grandes temas, da sua transferência para o Manchester United e consequente evolução de carreira ao recente caso de alegada violação a Kathryn Mayorga, sem esquecer o seu futuro enquanto jogador de futebol profissional.

“Bem vestido e lavadinho” com os “tubarões” no seu alcance

É bem conhecida a origem humilde do astro português que há um ano trocou o Real Madrid pela italiana Juventus, contudo, Ronaldo faz questão de frisar que nunca lhe faltou nada. “Nunca passámos fome, tivemos uma vida normal porque os meus irmãos trabalhavam muito e os meus pais também. Não tinha ténis de marca como tenho hoje mas sempre andei bem vestido e lavadinho”, explica CR7 ao introduzir o tema da seriedade e do trabalho que pautam a sua carreira. Quando questionado sobre se o talento bastava para singrar, Cristiano não hesitou em recorrer a um exemplo menos imediato: os prémios Nobel. “Todos os vencedores de Nobel, seja da medicina ou da paz, são grandes trabalhadores. Todos eles tiveram grande talentos mas sempre trabalharam muito”, conta, antes de rematar dizendo que não tem dúvidas que “se não trabalhasse não estava onde está” hoje.

O seu grande sonho enquanto miúdo era simplesmente “ser profissional de futebol” e acreditava mesmo que conseguiria, pelo menos, isso. De tal forma que nessa altura, se lhe perguntassem se viria a ganhar uma bola de ouro ou duas, ele obviamente nunca acreditaria que conseguisse. “Sabia que tinha talento, mas….”, desabafa. Contudo, essa forma de pensar mudou com a mudança para o Manchester United.

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“As pessoas acham que aconteceu tudo nesse jogo [o célebre Sporting contra o United que marcou a despedida do craque de Alvalade], mas não, já havia coisas apalavradas antes disso.” Antes deste momento o clube inglês já tinha mostrado interesse no jogador bem como uma mão cheia de tubarões do futebol mundial, entre eles “o Valência, o Arsenal, o Barcelona, o Real Madrid, Inter de Milão… Muitos clubes” que já cheiravam o potencial de CR7 mas seria a equipa de Sir Alex Ferguson a apanhá-lo, muito porque “tinham medo” de o perder. “Eu não esperava sair logo naquele ano mas depois desse jogo eles tiveram maior interesse.”

Ao chegar a Old Trafford, mesmo não falando bem inglês (“continuo a não falar”, afirma, entre risos) Ronaldo percebe que a sua carreira podia esticar-se mais do que imaginava no início: “Percebo que podia chegar lá quando entro no Manchester United. Comecei a sentir que era tão bom como os outros jogadores que lá estavam. Aprendi muito com eles mas senti que se fosse bem encaminhado e trabalhasse podia ser o melhor jogador da Premier League, por exemplo”, conta.

“O primeiro e segundo ano no Manchester” fizeram-no ver “que estava perto de alcançar grandes coisas” e isso só se concretizou muito por culpa de Ferguson, que “cumpriu tudo” o que lhe prometeu, e em troca Cristiano ajudou “muito o Manchester United.” As bolas de ouro lá foram aparecendo e hoje, já com uma mão cheia delas, admite que não quer parar de conquistá-las: “Claro que gostava de ter mais. Trabalho para isso: primeiro para os objetivos coletivos e depois para os individuais”.

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Não descarta a hipótese de ir ao Mundial 2022. “Não fecho portas. Jogar na seleção, para mim, é sempre um orgulho. Enquanto tiver forças e motivação, irei sempre à seleção. Só se não me quiserem”, contou. “Adoro ir à seleção”, acrescentou. Definiu a relação com Fernando Santos como “top”. Ronaldo diz que acredita que “esta seleção” tem “a melhor geração a nível de talento”. “Mas o talento não chega”, diz. Não tem dúvidas de que João Félix vai triunfar: “É um excelente jogador. Tem muito para evoluir, ainda”. Mas alerta: “É uma liga diferente, mais difícil, é um povo diferente — tem de ter essa preparação mental para poder aguentar a crítica que vai surgir”.

Sucesso, Madrid e os filhos

“Sou uma pessoa obcecada pelo sucesso, no bom sentido da palavra. Levanto-me todos os dias com o intuito de ser um grande profissional”, conta Cristiano, de camisa azul e calças brancas, emoldurado pelo skyline da “sua” cidade de Turim. A frase “Será que há algum jogador de futebol que tenha mais recordes que eu? Acho que não” pode soar a fanfarronice mas a verdade é que a vida tem feito por provar que Cristiano é um vencedor nato e o jogador faz questão de explicar isso durante a entrevista. Apesar de assumir que “o futebol mudou muito nos últimos dois, três anos” e “toda a gente vê isso”, ganhar continua a ser a cenoura que o faz continuar a ir mais longe — “Quebrar o recorde de jogador profissional mais velho? Há algum troféu nisso? [risos] Se houver ainda me meto nisso!” Cristiano não tem pruridos ao dizer que sabe que já está “na história do futebol” mas ainda continua motivado para seguir em frente — é a “paixão” que tem pelo futebol e por ganhar troféus que continua a motivá-lo.

O discurso pode soar a excesso de confiança mas Cristiano trava essa ideia quando começa a falar dos filhos. De “Cristianinho”, em específico. Como qualquer pai dedicado, garante que tenta mostrar sempre aos seus filhos que “as coisas não caem do céu” e que “talento só não chega, é preciso trabalho e dedicação”. “Quando vim para Lisboa vivi na Residencial Dom José, na Baixa de Lisboa, e estive lá com ele há pouco tempo. Fiquei comovido, não esperava ver lá as mesmas pessoas a trabalhar. Fui eu o Miguel Paixão e o Cristiano. Quando lhe mostrei o meu quarto ele perguntou: ‘Pai, tu vivias aqui?’ Não estava a acreditar.”

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CR7 diz que foi o mesmo Cristianinho que teve mais dificuldade quando chegou o momento para sair de Madrid, por muito que já o estivesse “a preparar há uns meses” para a hipótese do pai sair do Real. O projeto da Juventus apaixonou-o desde cedo e toda a sua família aceitou a mudança que se deu “sem grandes dificuldades” até mesmo para “Gio”, a sua mulher, que “pensa como” ele e “gosta de desafios”. O adeus ao Real foi outra conversa, uma coisa é deixar uma cidade para trás, outra é deixar a casa onde viveu “60% da carreira e nove anos de uma vida”. Mas tudo se fez.

“O presente é excelente e vou confirmar a desfrutar”

O assunto que todos esperavam ver chegar era o do caso Mayorga e da suposta violação que beliscou a imagem do craque português. Foi já no fim desta primeira parte que o tema surge de forma discreta: “Acho que 2018 foi o ano mais difícil da minha vida, por motivos pessoais. Quando as pessoas põem em causa a tua honra, dói. Principalmente eu que tenho uma família grande, um filho que é inteligente e já percebe as coisas. É um caso que não me sinto confortável a falar mas quando jogam contra a tua honra é difícil. Graças a Deus, os meus amigos, a minha família e todas as pessoas que gostam de mim sabiam que eu era inocente. E isso confirmou-se, uma vez mais.”

Questionado sobre o papel da sua namorada, Georgina Rodríguez, neste processo, Ronaldo resumiu: “Foi um pilar”. “Ela lidava comigo todos os dias. A gente via as notícias. Foi difícil”, disse ainda, apontando: “A verdade sabe-se sempre. Estou muito feliz de o caso estar fechado, graças a Deus está tudo resolvido.

O que não mereceu referência tão breve foi o futuro enquanto jogador profissional de futebol agora que a idade já pesa mais e a reforma vai-se aproximando. Propostas milionárias de outras latitudes não parecem ser estímulo, isto porque o jogador não hesita ao dizer que “a nível financeiro” está muito bem, de tal forma que “não precisa” do futebol para viver bem. Cristiano sabe que vai “viver bem a vida toda” mas a competição e o futebol vão continuar a ser paixão. O projeto da Juventus provou isso mesmo. Para já, não quer mais filhos. Mas acredita que se vai mudar para Portugal “daqui a alguns anos”.  “Quero viver em Portugal”, diz.

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“Eu jogava muitas vezes com eles em quartos-de-final ou meias-finais e sempre foi uma equipa que eu gostei, que sempre batalhou. [Ir para Itália] Era um desafio porque tinha ganho em Inglaterra, tinha ganho em Espanha e ia ganhar em Itália. Nunca nenhum jogador conseguiu fazer isso mas o Cristiano sim e bateu mais um recorde. Gosto de desafios, Madrid já era uma zona de conforto”, conta.

A Champions parece ser o grande objetivo da vecchia signora, aquele que ainda continua a fugir. Ronaldo recusa “obsessões” mas não esconde o objetivo: “Eu estou aqui para ganhar a Champions. Não sei se é este ano ou no próximo.” A sua equipa reforçou-se bem no atual defeso mas Cristiano relembra que “o dinheiro não faz grandes equipas” (“olha o PSG, o Barcelona, …”). É preciso continuar a trabalhar e os resultados lá chegarão. Tal e qual o resto da entrevista que só se saberá amanhã.

A rivalidade com o Messi é “boa” e “saudável”, acredita. “Não tenho dúvidas nenhumas de que ele me faz melhor jogador e eu faço-o a ele”, disse Ronaldo, revelando que tem “uma excelente relação profissional” com Messi. Nunca jantaram juntos, mas seria possível. “Não vejo qualquer problema. Ele é argentino. A minha namorada também é…”, apontou.

Para Ronaldo, competir “é o mais fácil”. Os jogos mais difíceis de fazer são os que acontecem “na Ásia” por causa do jet lag. “Custa mais ao corpo reagir”, explica, adiantando: “Competir é o mais fácil, o difícil são os bastidores: o trabalho, a preparação, os treinos, os vídeos, alongar, as massagens. Porque competir…podia competir até aos 50 anos”. Relembrado da morte do seu pai, Ronaldo acabou por mudar a resposta. O jogo que jogou após a morte foi “possivelmente foi o mais duro”. Mas não me arrependo. Foi uma homenagem.