A estratégia que o Bloco de Esquerda quer seguir nesta campanha está traçada: distanciar-se do PS, apresentar propostas com contas certas e usar a “geringonça” para apresentar o BE como a força de estabilidade dos últimos quatro anos. O Fórum Socialismo, a rentrée do partido que decorreu este fim de semana no Porto, foi o primeiro palco onde os bloquistas puderam passar dos ensaios à ação e começar a passar a nova mensagem. Na sessão de encerramento, este domingo, Catarina Martins resumiu esta estratégia num discurso de cerca de 20 minutos.

“Sob Escuta”. Entrevista a Catarina Martins na Rádio Observador esta segunda-feira

A líder bloquista falou sem recurso a um discurso escrito, substituído por umas notas a que ia recorrendo aqui e ali para guiar a sua intervenção. Depois de fazer um balanço do últimos quatro anos, voltando a lembrar as medidas aprovadas com o voto do BE e “os ziguezagues” do Partido Socialista, Catarina Martins quis responder, ainda que de forma velada, a quem desafia o partido a assumir antes da campanha estar na estrada se tem pretensões de vir a entrar num governo com o PS.

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Há quem tente que esta campanha seja sobre tudo menos sobre o que conta. Nós recusamos o caminho da intriga e vamos ao caminho da proposta. E este é o nosso programa”, disse enquanto segurava na mão direita o programa eleitoral do Bloco de Esquerda. Um gesto que é também uma declaração de intenções: o partido não vai enveredar pelo caminho de pedir lugares de Governo antes das eleições.

Naquele que o partido diz ter sido o maior Fórum Socialismo da história bloquista foram vários os recados deixados ao PS. E Catarina Martins também quis juntar os seus à lista. Sublinhando sempre que “a responsabilidade da campanha é falar das propostas” a coordenadora do BE não resistiu a falar das áreas que considera “que vão ser os grandes desafios que definem o próximo governo: o trabalho e o investimento“. Ou seja, para a líder do partido não se deve falar de lugares mas pode falar-se das prioridades dos partidos para a próxima legislatura. Para o Bloco de Esquerda: trabalho e investimento público, deixando assim uma pista sobre as áreas por onde podem passar as linhas vermelhas que o partido venha a definir num futuro acordo de governação à esquerda.

E se há coisa que é notoriamente diferente neste Bloco de Esquerda pós-geringonça é a preocupação com as contas. A experiência de passar quatro anos a negociar Orçamentos do Estado emprestou ao partido um maior cuidado na apresentação de propostas, que no programa eleitoral trazem sempre cálculos associados. “O BE faz as contas”, orgulhou-se Catarina Martins. “O BE diz que é preciso investimento mas diz onde é que é preciso esse investimento”, afirmou, aproveitando para falar duma das propostas a que o partido tem tentado dar mais gás: a colocação de 100 mil casas no mercado imobiliário com rendas entre os 150 e os 500 euros.

Uma medida que faz parte dum programa de reabilitação que o partido quer criar na próxima legislatura. Para isso conta usar os argumentos económicos — “será um programa que cria emprego, que dinamiza a economia” — mas também argumentos de cariz social — “um programa que liberta o salário, que é capaz de regular o mercado e que é capaz de puxar as rendas para baixo”. A isto tudo soma um argumento que pretende tranquilizar quem questiona a viabilidade orçamental para dar corpo a este programa. “Um pouco por toda a Europa o investimento público na habitação tem retorno”. Assim, acredita, “estaremos a fazer o investimento público mais seguro que se pode fazer neste país”.

Além de revelar esta preocupação com as contas, Catarina Martins referiu-se indiretamente aos avisos sobre a possibilidade de nos próximos tempos a economia mundial entrar em recessão económica. “Querem falar de crises? Falemos de crises: Portugal tem uma grave de habitação. Portanto se queremos responder ao país vamos responder pelo direito à habitação”, proclamou a líder do Bloco de Esquerda.

Para o fim, ficou o habitual apelo ao voto no partido, recorrendo mais uma vez à lista de medidas que o partido conseguiu fazer passar ao longo da legislatura. “O BE foi a garantia de estabilidade“, concluiu, numa frase que é também uma resposta ao primeiro-ministro, que acusou os bloquistas de serem menos estáveis do que o PCP.

É mais ou menos este o guião que o partido deve seguir ao longo do próximo mês até às eleições. Separar as águas, lembrar o que foi feito e pedir mais força para conseguir ter mais influência na próxima legislatura. Tudo isto apontando um dedo ao PS, culpando-o pelas limitações da “geringonça”. E, claro, para evitar uma maioria absoluta socialista.