A companhia aérea Ryanair enviou uma nota de culpa a pelo menos 12 trabalhadores portugueses, na qual informa que vai abrir um processo disciplinar “com intenção de despedimento”, alegando que os funcionários em causa não cumpriram os serviços mínimos durante a greve de 20 a 25 de agosto dos tripulantes. Os trabalhadores foram suspensos “preventivamente” até à conclusão do procedimento disciplinar.

Numa nota de culpa enviada, a que o Observador teve acesso, a Ryanair acusa um trabalhador de “incumprimento dos deveres laborais e faltas de comparência ao trabalho” durante a paralisação, o que é passível “de consubstanciar a violação extremamente grave de deveres laborais a que está adstrito”. “Como tem perfeito conhecimento, os voos para os quais estava convocado naquelas datas foram designados como serviços mínimos (ou seja, “voos protegidos”) pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e pelo Ministério das Infraestruturas e Habitação”, refere a companhia aérea irlandesa.

Alegando que o trabalhador não cumpriu os serviços mínimos, a Ryanair informa que vai instaurar “um procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa“.

Segundo o Código do Trabalho, a partir da data em que recebe uma nota de culpa, o trabalhador tem 10 dias úteis “para consultar o processo e responder, deduzindo por escrito os elementos que considera relevantes para esclarecer os factos e a sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade”.

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O processo é depois remetido à comissão de trabalhadores, para que se pronuncie num prazo de 5 dias úteis. O empregador tem 30 dias para anunciar a decisão final. O Observador sabe que pelo menos 12 trabalhadores já receberam a nota de culpa.

Os tripulantes da Ryanair estiveram em greve entre 20 e 25 de agosto, tendo o Governo decretado serviços mínimos para a paralisação — o que, segundo disse na altura o Sindicato Nacional do Pessoal de Aviação Civil (SNPVAC), se tratou de uma decisão inédita. Num comunicado, o SNPVAC disse repudiar “veementemente mais uma tentativa do Governo em aniquilar o direito à greve dos portugueses e, em particular, dos tripulantes da Ryanair”. Já de acordo com a empresa, foram registados “zero cancelamentos” durante os cinco dias de greve.

Na semana passada, o SNPVAC entregou um novo aviso prévio de greve de tripulantes, desta vez para 27 de setembro. No início de agosto, a companhia aérea anunciou a intenção de despedir 500 pilotos e 400 tripulantes de cabine, devido ao impacto do Brexit, ao aumento do preço dos combustíveis e ao atraso na entrega dos aviões Boeing 737 Max.

O Observador tentou contactar a Ryanair, mas não obteve resposta.

Sindicato vai contestar decisão da Ryanair

Em declarações à Rádio Observador, Luciana Passo, presidente do SNPVAC, garantiu que os “serviços jurídicos do sindicato estão a tomar conta do assunto” e vão decidir como vão contestar a decisão da transportadora aérea. “Já nos dirigimos ao Ministério do Trabalho e ao Ministério das Infraestruturas”, disse ainda.

Segundo a sindicalista, “não houve um único tripulante que tivesse faltado a esses mesmo serviços“.

“Diz a Ryanair [que os trabalhadores foram suspensos] por não terem cumprido os serviços mínimos. Mas quais serviços mínimos? A Ryanair acusa-os porque eles não cumpriram os serviços mínimos que a Ryanair resolveu estabelecer. Os serviços mínimos foram impostos pelo Ministério do Trabalho. Nós, ao abrigo da lei, fizemos uma listagem dos tripulantes que estavam adstritos aos serviços mínimos. Não houve um único tripulante que tivesse faltado a esses mesmo serviços. Não é à empresa que cabe decidir quais os serviços mínimos e os tripulantes adstritos a esses serviços mínimos. Mais uma vez a Ryanair faz o que quer, como quer, e ainda tenta despedir rapidamente os tripulantes invocado justa causa.”

Luciana Passo acrescenta ainda que a Ryanair “foi muito rápida” ao convocar os tripulantes a Dublin, na Irlanda. “A greve foi até domingo e a convocatória era para estarem presentes em Dublin às 9h da manhã”.

A greve de dia 27 de setembro, em conjunto com outros países europeus, é para avançar. Sindicato e empresa reúnem-se no dia próximo dia 19.

[Leia a nota de culpa enviada]

Assunto: Procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa — Nota de culpa e suspensão preventiva com efeitos imediatos

“Fazemos referência à reunião e audição de V. Exa, no dia 26 de agosto de 2019 tendo em vista apurar o incumprimento dos deveres laborais e faltas de comparência ao trabalho nos dias (…) de agosto de 2019. Como tem perfeito conhecimento, os voos para os quais estava convocado naquelas datas foram designados como serviços mínimos (ou seja, “voos protegidos”) pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e pelo Ministério das Infra-estruturas e Habitação.

Os comportamentos imputáveis a V. Exa. são passíveis de consubstanciar a violação extremamente grave de deveres laborais a que está adstrito, relacionados com o seu posto de trabalho de […], que determinam a instauração de um procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa.

Informamos de que dispõe do prazo de 10 (dez) dias úteis para, querendo, responder por escrito à Nota de Culpa (ou seja, até […] de setembro de 2019).

Pode ainda consultar o procedimento disciplinar, entre as 08:30 horas e as 17:30 horas, de segunda-feira a sexta-feira, no escritório de […], devendo para o efeito contactar previamente […].

Tendo em conta a gravidade do assunto, foi também decidido suspendê-lo preventivamente, nos termos do n.º 1 do artigo 354.º do Código do Trabalho, até conclusão do procedimento disciplinar. Assim, V. Exa. deve abster-se de se apresenta na sala de tripulantes em … ou em qualquer instalações da Empresa para desempenhar quaisquer funções até à conclusão do procedimento disciplinar. Esclarecemos que a suspensão preventiva não constitui qualquer sanção disciplinar e não implica a perda de qualquer direito que lhe assiste, nomeadamente o direito à retribuição.”