Portugal é um dos países europeus mais ameaçados pela desertificação — mais de metade do território está em risco. O problema está há muito identificado e foram definidas políticas públicas para o atacar. O Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PANCD) foi lançado em 2014, mas são várias as falhas que estão a estrangular a sua execução, conclui uma auditoria do Tribunal de Contas agora divulgada.

O PANCD, elaborado ainda pelo anterior Governo, até tinha “um diagnóstico adequado e as linhas de ação a desenvolver”. Mas faltou o resto. Neste caso, “identificar as ações concretas a desenvolver, as entidades e as áreas de governação responsáveis pela sua execução, o respetivo calendário, o custo envolvido e a articulação com os programas/fundos suscetíveis de financiar as ações necessárias”. O Tribunal reconhece a insuficiência dos recursos financeiros e humanos, mas também aponta para a não operacionalização de instrumentos previstos, como o Observatório Nacional da Desertificação — criado na lei desde 1999. E conclui que não houve o acompanhamento da execução das medidas, o que não permite sequer avaliar os resultados do que tem vindo a ser feito e saber qual é o atual estado da desertificação do território português.

Um dos efeitos é a “importante limitação ao conhecimento sobre o processo de desertificação em Portugal, quer como suporte para a tomada de decisões políticas de mitigação do processo de desertificação, designadamente no âmbito do planeamento do novo ciclo de programação de fundos europeus 2021-2017 e da implementação da Agenda 2030”.

A ideia subjacente ao PANCD era a criação de um instrumento que fosse concretizado por outros programas. Mas falhou a parte operacional, o que, associado à dispersão de medidas e à falta de acompanhamento, comprometeu “a operacionalidade e a eficácia das medidas destinadas a um efetivo combate à desertificação do país”.

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Cabia ao Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) liderar a comissão nacional e prestar o apoio técnico e administrativo ao funcionamento desta comissão, indicando um dirigente e técnico superior, bem como os responsáveis pelos seis núcleos regionais previstos. Mas as estruturas de governação revelaram-se “ineficazes” e houve também falta de meios, sublinha a auditoria, nomeadamente ao nível dos recursos humanos e financeiros, razão apontada para a comissão nacional de coordenação do PANDC não ter cumprido as suas funções.

Outras falhas apontadas:

  • Não foram elaborados estudos de apoio à operacionalização do PANCD, nem apresentadas propostas de ação. Ainda que tenha sido criado um grupo de trabalho para avaliar a situação do montado e a eficácia de medidas do Plano de Desenvolvimento Rural dirigidas para o combate à desertificação;
  • Não foram elaborados planos de atividade;
  • Não foram desenvolvidos procedimentos para acompanhar ações efetuadas por diversas entidades que integram a comissão nacional e respetivos núcleos regionais. Não há relatórios sobre estas atividades;
  • Não foi criada a plataforma eletrónica prevista nos regulamentos com documentos sobre como funciona a comissão nacional e a informação que está no site do ICNF está desatualizada.

“Face ao exposto, conclui-se que comissão nacional não desenvolveu cabalmente as atribuições que lhe foram legalmente conferidas, o que em parte se ficou a dever à escassez de recursos humanos que lhe foram afetos pelo ICNF, bem como à ausência de dotações específicas para financiar a sua atividade. Em consequência, a execução do PANCD acaba por ocorrer de forma difusa, não sendo claro o seu estado de execução atual”.

Por outro lado, o Observatório Nacional da Desertificação nunca foi operacionalizado, nem com o plano de 1999, nem com o PANCD de 2014. Há registo da criação de um grupo de trabalho em 2016 para o operacionalizar, mas as propostas para a instalação da entidade não reuniram consenso, explica o Instituto de Conservação da Natureza e Florestas.

Até há recursos financeiros para atacar o problema. O Programa de Desenvolvimento Rural (PDR) 2020 tem no combate à desertificação um dos principais temas. No entanto, e apesar de um elevado volume de apoios disponíveis para ações que têm impacto neste objetivo, por exemplo a nível da floresta — da ordem dos 2795 milhões de euros — “não é possível diferenciar e quantificar qual o seu contributo concreto para o combate à desertificação. Isto significa que, embora os apoios referidos tenham contribuído para os objetivos do PANCD, não é possível identificar os valores concretos afetos especificamente a essa política”.

Reconhecendo que a matriz dos indicadores é complexa, ainda que relevante, o Tribunal diz que a informação não foi recolhida de forma sistemática e que não foram feitas análises ou avaliações sobre a execução do programa. Logo, “não se conhece o estado atual de execução do PANCD e não se consegue determinar a sua eficácia”. Falta também a criação de um sistema que permita analisar de forma contínua “a dimensão e risco de desertificação e degradação dos solos em Portugal”. Essa seria aliás a missão do Observatório Nacional da Desertificação, estrutura que, como já vimos, não saiu do papel.

Assinalando que a desertificação é um dos efeitos, mas também causador, das alterações climáticas como a seca, o tribunal recomenda aos ministros da Agricultura e do Ambiente a revisão do programa e da sua execução, tendo em conta que Portugal se comprometeu a atingir a neutralidade da degradação dos solos até 2030.

O ministro da Agricultura reagiu com “alguma estranheza” ao relatório do Tribunal de Contas. À Rádio Observador, Luís Capoulas Santos lembrou que o “plano já existe há 20 anos”, tendo estado em execução desde sempre. Referindo que haverá uma perceção “um pouco estranha” do que é este plano por parte do Tribunal, o governante frisou que ele não tem nem orçamento, nem funcionários nem medidas próprias, por exemplo, mas que contém um conjunto de orientações e objetivos que são desenvolvidos por diversos ministérios. Ouça abaixo a resposta de Capoulas Santos em que enumera uma série de medidas tomadas pelo ministério que tutela.

As notícias das 15h com reações de Luís Capoulas Santos à desertificação do interior

Capoulas Santos deu razão ao pedido de mais água feito de manhã por Eduardo Oliveira e Sousa. O presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal lamentou à Rádio Observador o virar de costas dos ministérios do Ambiente e da Agricultura e sublinhou que o país precisa de “ter mais capacidade de armazenamento de água, para melhor distribuir essa água e para que com base na agricultura mais intensiva, as pessoas possam ficar nesses territórios e tratar dos outros, como por exemplo as florestas”.

As notícias das 09h com destaque para o combate à desertificação

Também a o vice-presidente da Quercus, Nuno Sequeira em declarações à Rádio Observador salientou que esta é uma notícia grave para o país, como pode ouvir aqui:

As notícias das 11h