O primeiro-ministro foi provocado pelo seu anfitrião, Bruno Bobone da Câmara do Comércio e Indústria, sobre a “habilidade política” de pôr o Bloco de Esquerda a dizer que é social-democrata e sobre as propostas de nacionalizações de um do seus parceiros parlamentares nos últimos quatro anos, mas a um mês da campanha eleitoral, aquele que é também recandidato ao cargo não quer misturas. Vincou que não há nacionalizações no programa do PS, ainda assim também não há tudo o que muito do universo empresarial reclama — e a plateia era vasta em representantes desse meio.

Houve vários “nãos” de António Costa na conferência desta quarta-feira na Câmara do Comércio e da Indústria (que já cheirou a pré-campanha, tanto que para a semana conta com o líder do PSD), sobretudo para tranquilizar empresários mais avessos a desvios à esquerda. Não, o seu PS não vai querer nacionalizar a Galp nem a EDP, mas não, o seu PS não acha que o Estado não deva estar na TAP; não, o seu PS não considera que seja pela baixa do IRC que se incentivam as empresas; não, o seu PS não está inclinado para mais aumentos do salário mínimo; não o seu ministro das Finanças não trava a estratégia económica. O único “sim” foi que sim, o seu coração está à esquerda, mas “só o coração”. Foi com esta garantia que saiu da sala, depois de Bobone o ter provocado — em tom de pedido: “Sabemos que o seu coração está à esquerda, mas tenha as empresas nesse lado esquerdo”.

António Costa prometeu que as leva na cabeça, onde mora a razão, e quando confrontado com questões concretas, foi insistindo que, apesar da “geringonça”, a sua esquerda não é a do Bloco. Por exemplo, discordou de um modelo de estatização da economia. Defende que o Estado se mantenha na TAP, com uma participação especial, porque “protege” a empresa de “qualquer vicissitude que os sócios da TAP possam vir a ter no futuro”. Aliás, garantiu mesmo que, “com maior ou menor arrufo, a companhia tem-se desenvolvido bem e que grande parte dos sócios da TAP estão satisfeitos com a presença do Estado”.

Ainda assim, nega que exista uma vontade do PS em estender o braço do Estado a outras empresas, caso da Galp e da EDP. Aqui foi mesmo confrontado com o programa do BE, que apoiou o PS no Parlamento nesta legislatura, e com a proposta dos bloquistas de nacionalizar as duas empresas. Aos empresários, Costa não quis deixar margem para dúvidas e garantiu que “o programa do PS não é o do Bloco de Esquerda, é um programa próprio do PS.  Cada um tem o seu programa e seguramente o Bloco de Esquerda há de bater-se por essas nacionalizações, que não constam do programa do PS”.

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Já sobre o Salário Mínimo Nacional, o anfitrião Bruno Bobone confrontou o primeiro-ministro com uma posição do próprio: já não pode subir porque está muito próximo do salário médio. E Costa manteve a ideia: “Começa a ser difícil haver aumentos muito significativos do salário mínimo nacional”. Voltou a defender medidas para a valorização dos salários dos mais jovens — como tinha feito no debate com Jerónimo de Sousa que assinalou a matéria para acordo. Mas Costa também mantém que este acordo tem de ser feito no âmbito da concertação social.

Mas há coisas em que Costa é mais coração. Em matéria de impostos para as empresas, foi confrontado com o exemplo irlandês, que conta com uma das taxas de IRC mais baixas da União Europeia (12,5%), e em como isso pode incentivar o investimento privado, disse-lhe Bruno Bobone. Mas o líder do Governo voltou a discordar que esse seja o caminho para incentivar a atividade empresarial no país.” O maior incentivo que podemos dar à saúde das empresas é conseguirmos continuar a dar este equilíbrio que é as taxas de juro continuarem a descer e que o desequilíbrio para as outras economias vá desaparecendo”.  Já chegou a haver um acordo para a baixa faseada do IRC, na legislatura anterior, com Passos Coelho do Governo e António José Seguro na liderança do PS, mas foi um dos primeiros acordos que António Costa colocou na gaveta quando chegou à líder do partido.

A minha convicção é se dermos às empresas a escolher entre menos um ponto no IRC ou manter as taxas de juro, acho que exceto os bancos, as empresas preferiam manter as taxas de juro baixas”

Também não concorda que exista uma preponderância do ministro das Finanças no Governo e que isso tenha limitado a sua política económica. “Acho que se hipervaloriza excessivamente o papel do ministro das Finanças. Interrogo-me sempre porque é que cada vez que cresce o PIB não aparece o ministro das Economia, mas sim o das Finanças”.  O primeiro-ministro reconhece que nos últimos anos o responsável pelas Finanças ganhou “um papel significativo”, dado o contexto de crise económica, mas discorda que “da visão de que o centro estratégico do  desenvolvimento do pais esteja no ministro das Finanças”. A Bobone, que o confrontou com esta tese, Costa atirou mesmo: “Os ministros da Saúde costumam dizer-me isso”.