Um jovem negro de 17 anos foi despido, teve as mãos amarradas, foi amordaçado e chicoteado com fios elétricos por dois seguranças de um supermercado da rede Ricoy, num bairro da zona sul de São Paulo, no Brasil. A Polícia Civil brasileira está a investigar o caso depois de o vídeo das agressões, presumivelmente gravado pelos seguranças, ter sido publicado nas redes sociais e causar uma onda de críticas no país.

O inquérito, que vai investigar um possível crime de tortura, foi instaurado pelo chefe de polícia Pedro Luis de Souza, responsável pelo caso, que o descreveu como “um crime covarde, extremamente violento, inominável”. “Eu francamente não consegui ver o vídeo todo [até o final]. Isso é uma barbaridade, uma violência incomensurável”, afirmou, ouvido pelo jornal Folha de São Paulo.

O vídeo que está publicado em vários jornais, além de circular nas redes sociais, é de extrema violência e é desaconselhável a pessoas mais impressionáveis.

O jovem confessou que tinha roubado chocolates no supermercado. “Vai tomar mais uma [chibatada] para a gente não te matar. Você vai voltar?”, pergunta ao jovem um dos agressores, no vídeo, ao que o jovem responde baixando a cabeça, sinalizando que não iria voltar àquele supermercado — não conseguia falar porque estava amordaçado.

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“É uma cena de há séculos”, disse o chefe de polícia ao The Guardian, numa alusão à altura em que existia escravatura no Brasil.

Os agressores, identificados como Santos e Neto, de 37 e 49 anos de idade, eram contratados por uma empresa contratada em outsourcing pelo supermercado, que garantiu à polícia que os homens já foram afastados dos cargos.

Não é a primeira vez que um crime de tortura contra uma pessoa negra acontece no Brasil, e as críticas recuperam um assunto há muito discutido entre os brasileiros: a persistência de um pensamento racista e esclavagista na sociedade atual.

Em publicações no Twitter, os comentários foram diversos. Luciana Genro, ex-candidata ao cargo de Presidente da República pelo partido de esquerda PSOL descreveu que a cena “repete o Brasil colónia”, questionando até onde a sociedade irá “regredir”.

Marcelo Freixo, também do PSOL e candidato à governador do Estado do Rio de Janeiro, enfatizou que “tortura é crime”, apelando a que os agressores respondam pelo ocorrido.

O rapper brasileiro Rincon Sapiência disse que as cenas “lembram séculos passados”.

A rede de supermercados Ricoy publicou uma nota de esclarecimento onde dizia: “A empresa repugna esta atitude e foi com indignação que tomou conhecimento dos factos por intermédio da reportagem. A empresa não compactua com nenhum tipo de ilegalidade e colaborará com as autoridades competentes envolvidas no apuramento do caso, a fim de tomar as providências adequadas”.

Ariel de Castro Alves, do Conselho Estadual de Direitos Humanos (Condepe), que acompanha a investigação, declarou que “existem indícios contundentes de crime de tortura praticado pelos seguranças. A tortura ocorre quando alguém é submetido, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental. A Lei 9455, de 1997, prevê penas de 2 a 8 anos aos acusados”.

O jovem de 17 anos, que vive nas ruas desde os 12, já tinha sido preso na Fundação Casa (centro de detenção para menores de idade do Estado de São Paulo), por ter invadido uma casa, além de já conhecer os dois seguranças, reiterando que esta não foi a primeira vez que sofreu agressões. “Quero justiça contra isso, eles fizeram maldade. Quero pô-los dentro das grades”, disse a vítima em entrevista à TV Globo.