Os trabalhadores da Tapada Nacional de Mafra vão fazer greve no dia 11 de setembro em protesto contra a falta de condições de trabalho, mas sobretudo contra a diretora Paula Simões, que acusam de assédio moral e de continuada pressão sobre os funcionários. Um esclarecimento enviado pela diretora ao Observador mostra “total discordância” sobre “os fundamentos invocados para recurso à greve”.

A mensagem dos trabalhadores em protesto pretende chegar ao ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, Luís Capoulas Santos, responsável pela nomeação de Paula Simões. “Se a ACT confirmar assédio moral, garanto que a presidente [da direção] deixará de estar no minuto seguinte”, afirmou o ministro da Agricultura, durante a audição na Comissão Parlamentar da Agricultura e do Mar, no dia 16 de maio, escusando-se por isso a demitir ou retirar confiança a Paula Simões. Como o processo na ACT ainda está a decorrer, Capoulas Santos ainda não tomou nenhuma decisão em relação à situação, segundo uma notícia de julho do Jornal de Mafra.

A rádio Observador contactou o Ministério da Agricultura para obter esclarecimentos sobre as declarações de Capoulas Santos e sobre a reação à greve anunciada pelo Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, mas até ao momento não obteve resposta.

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As práticas de assédio moral terão começado pouco depois de Paula Simões ter assumido as funções de diretora da Tapada Nacional de Mafra, em abril de 2016. Margarida Gago, delegada do sindicato, diz à rádio Observador que primeiro os funcionários foram “desculpando”, “tolerando e achando que é um dia mau”, “até se começarem a perceber que não é”.

Segundo a sindicalista, a diretora maltrata verbalmente alguns dos funcionários e classifica-os como “um conjunto de calões” dentro e fora dos muros da Tapada. Mas o mais grave, diz, é o isolamento a que os sujeita, “retirando-lhes as funções e isolando-os a fazer tarefas que não eram da sua competência”. Um dos colegas esteve de baixa psicológica durante um ano, por causa da pressão e assédio moral a que foi sujeito, e quando regressou foi colocado a fazer trabalho no mato, fora das suas funções normais e completamente isolado de todos os outros.

Foram as queixas de assédio moral que levaram o sindicato a apresentar queixa na ACT, que em março de 2018 abriu um processo contra Paula Simões considerando que podia estar em causa uma “contraordenação muito grave”. As inspetoras visitaram o espaço e ouviram cada um dos funcionários.

As situações mais gravosas são de três colegas, mas todas as pessoas, de alguma maneira, já foram alvo de assédio moral”, diz Margarida Gago.

Em pouco mais de três anos, houve 10 trabalhadores que se demitiram por não aguentarem a pressão e assédio a que eram sujeitos — alguns com 14 anos de casa, diz a delegada sindical —, fora aqueles que passam temporadas em casa de baixa psicológica. Entre os membros demissionários encontrava-se um engenheiro florestal e desde então (março de 2018) que a Tapada, um espaço florestal com um plano contra incêndio, deixou de ter um engenheiro florestal a tempo inteiro.

Para rejeitar os argumentos da greve, Paula Simões diz que “estão asseguradas na Tapada Nacional de Mafra todas as condições de trabalho exigidas pela legislação laboral portuguesa”. Sobre a queixa à ACT e nota de culpa em relação à acusação de assédio moral, diz que “foi apresentado, devidamente fundamentado, o contraditório, que corre a sua tramitação normal e sobre a qual não existe decisão transitada em julgado, pelo que não há qualquer condenação, prevalecendo o princípio da presunção de inocência”.

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Mas as queixas dos trabalhadores vão além do assédio moral e por isso o dia da greve não foi escolhido ao acaso. No dia 11 de setembro de 2003 teve início na Tapada um incêndio que consumiu cerca de 70% da floresta. O receio de quem ainda trabalha no espaço é que o estado de abandono e má gestão que atribuem à diretora possa criar uma situação semelhante.

Paula Simões diz, no esclarecimento por escrito enviado ao Observador, que a Tapada de Mafra tem um Plano de Gestão Florestal e de Defesa da Floresta contra Incêndios. Mas entre os documentos enviados às redações, os trabalhadores dizem que o plano datado de abril de 2018 está cheio de erros. O número de sapadores efetivamente a trabalhar não correspondem ao que é indicado no plano, a viatura pesada de combate a incêndio não estará operacional desde abril de 2019 e a motobomba estará avariada desde junho deste ano, além disso, a pessoa indicada como coordenador técnico da brigada — o referido engenheiro florestal — ter-se-á demitido em março de 2018, antes do plano ser concluído e apresentado.

“Corte de sobreiros vivos (processo de queixa crime arquivado); sistemática ameaça ao único casal de açor por práticas de gestão que potenciam a perturbação, principalmente nos períodos críticos de nidificação; alimentação deficiente de cervídeos e javalis; limpeza do lago onde vivem e se reproduzem anfíbios; corte dos arbustos e florestação envolventes de uma charca, sem qualquer suporte técnico, destruindo um valioso ecossistema; instalação de arborismo em árvores consideradas ‘doentes'”, estão entre as acusações do sindicato para evidenciar uma gestão que considera danosa do património florestal daquele local, a poucos quilómetros de Lisboa.

De lembrar que a Tapada Nacional de Mafra, em conjunto com o Palácio, a Basílica, o Convento e o Jardim do Cerco, foram considerados Património Cultural Mundial da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura). A falta de documentação sobre a Tapada chegou a colocar em risco a candidatura. “Sem haver mais informações, não faz sentido recomendar este lugar como Património Cultural Mundial”, disse a representante do ICOMOS. O monumento acabou por ser aprovado com apoio do Brasil, da Tunísia e da China.

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