Tudo começou em 2011, quando à boleia da associação social e cultural Pele, surgiu o MEXE – Encontro Internacional de Arte e Comunidade, um evento bianual que trabalha a criação artística com as comunidades locais. “Em 2007, quando a Pele foi criada, este tipo de trabalho não tinha a expressão, a visibilidade e o investimento que tem hoje. Agora há uma maior abertura para este tipo de criação, organizamos o MEXE para termos contacto com outros grupos internacionais e pudéssemos melhorar o nosso trabalho”, explica Hugo Cruz, diretor artístico, em entrevista ao Observador.

Com o objetivo de desenvolver uma programação “para todos e envolvendo todos”, baseada no pensamento, formação, apresentação e documentação, o responsável afirma que a ideia é trabalhar de uma forma muito próxima com as comunidades locais, nomeadamente aquelas pessoas com menos acesso à oferta cultura, sendo elas as protagonistas de cada momento. “É importante que os espetáculos falem a partir da realidade e não sobre ela. Só os protagonistas reais podem assumir a força e as necessidades da sua própria voz”, afirma Hugo Cruz. Este ano o festival procurou alargar o conceito de práticas artísticas comunitárias, para um conceito de mais transversal e abrangente.

“Tentamos deslocar a perceção que existia relativamente ao festival, de ser só dirigido a um público mais desfavorecido. O que nos interessa é que as pessoas estejam realmente misturadas. Queremos fazer um festival de arte e política, discutindo uma política mais macro que vai além dos partidos.”

“O comum em tempos de confusão” é o tema desta 5ª edição, onde a organização põe de lado o a ideia romântica de trabalhar em grupo e convida a refletir sobre a forma como nos organizamos em sociedade e que contributo a arte pode ter nisso. “Numa sociedade atravessada pelo medo, pela confusão, pelo pessimismo e pelas crises económicas, políticas, ambientais e sociais, devemos pensar o que é ser comum, fazer coisas em comum e estar em comum”, questiona Hugo Cruz, diretor artístico.

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Durante uma semana, o MEXE vai contar com 70 ações que integram mais de 400 participantes, vindos de seis países, ocupando 22 espaços no Porto, dos mais convencionais aos mais improváveis, destacando criações da América-Latina, de África e do Sul da Europa. O jardim de S. Lázaro é o ponto de encontro do evento, sendo o palco principal de várias atividades e de concertos diários como o coletivo Oupa Cerco ou o projeto Fado Bicha. No entanto, o calendário começa no fim de semana de 13 a 15 de setembro com o pré-MEXE, uma espécie de aquecimento dedicado ao cinema documental com exibições no Cinema Trindade, na Associação de Moradores da Lomba e na Casa d’Artes do Bonfim.

Igualdade de género, racismo, resistência e uma marcha de grávidas

“Synectikos é o espetáculo de dança do Coletivo Lisarco, de Madrid, onde no palco do Teatro Carlos Alberto vão estar bailarinos com síndrome de Down, numa proposta que mostra como o espaço é capaz de ser todos os lugares. “Children of the New World” é uma estreia nacional de um solo de dança sobre o abuso infantil coreografada e interpretada por Samwel Japhet, oriundo da Tanzânia.

A artista italiana Caterina Moroni mostra em “Duck March” como o poder do corpo feminino podem ser um manifesto, capaz de transmitir uma mensagem positiva e transformadora. Esta marcha de mulheres grávidas promete assaltar a cidade e criar uma ligação com o território, em cada etapa geográfica.

Vindo do Brasil, o coletivo Ocupação junta estudantes que em 2015 ocuparam as escolas brasileiras sob a ameaça de estas fecharem, acabando por determinar o seu futuro e uma mudança no sistema do sistema educativo. Este ato de resistência é o mote para o espetáculo “Quando Quebra Queima”, na Biblioteca da Fundação de Serralves. Também do outro lado do Atlântico, chega-nos uma peça criada na Universidade de São Paulo “Isto é Um Negro” que parte das experiências dos intérpretes e de algumas obras sobre o que é ser negro e negra no Brasil.

No que toca a criações nacionais, o destaque vai para a estreia da instalação “Enxoval, um bordado a muitas mãos”, um projeto que propõe uma abordagem transdisciplinar sobre a igualdade de género, cruzando diferentes gerações e grupos comunitários do Porto e Amarante. Tânia Dinis é a performance e realizado responsável pela estreia de “Viajar no tempo dos outros – Fontainhas”, um mergulho nos arquivos e memórias pessoais dos moradores e antigos moradores daquela zona da cidade. “Mapa de Vontades” é a performance espontânea do Atelier SER que transforma temporariamente o espaço público, fazendo com que cada cidadão participe e seja também um artista. Quem passar pela Feira do Cerco e pela Praça dos Poveiros vai poder encontrar uma tela gigante com o mapa da cidade, nele deverá acrescentar, através de serigrafia, os seus desejos para cada lugar.

Outro dos pontos altos do programa, que inclui ainda oficinas e conversas, é o Encontro Internacional de Reflexão das Práticas Artísticas Comunitário que acontece de 16 a 18 de setembro e envolve 9 universidades e mais de 100 investigadores com sete nacionalidades diferentes, mas também a parada que encerra o MEXE, desde a Escola Alexandre Herculano ao Jardim de S. Lázaro, com oito grupos musicais da cidade.