Os sete episódios de “The Loudest Voice” chegaram todos de uma assentada à HBO Portugal. Produção da Showtime, estreou-se dia 30 de Junho nos Estados Unidos e a transmissão dos episódios terminou a 11 de Agosto. A chegada um mês depois, numa quarta-feira – dia incomum para estreias na HBO Portugal –, tem a ver com o 11 de setembro. A associação é simples: a mini-séries centra-se na vida de Roger Ailes, o homem que idealizou a Fox News tal como a conhecemos. Hoje questionamos factos, a veracidade das notícias e existe mais ruído nos canais noticiosos por causa de Ailes.

Os dois primeiros episódios são uma espécie de introdução para o que irá acontecer depois. Com dois momentos marcantes, a fundação da Fox News e o 11 de Setembro. No final de 1995, Roger Ailes é forçado a sair da CNBC com uma cláusula no contrato que não o permite trabalhar para nenhum dos canais de notícias concorrentes. Contudo, não fala na impossibilidade de trabalhar para um novo canal. A roda começa a girar, Rupert Murdoch convida-o para a formação da Fox News. E aí Roger Ailes vê uma oportunidade para criar um canal de notícias à imagem daquilo em que acredita. Parafraseando algo que diz no primeiro episódio: o público não quer ser informado, quer acreditar que está a ser informado.

Apesar de no início da carreira ter passado pela televisão, Roger Ailes cresceu nos corredores republicanos por saber gerir como poucos a imagem nos média de alguns políticos do seu partido. Foi consultor de Richard Nixon, Ronald Reagan, George Bush e Donald Trump. Ou seja, quando chegou à Fox News, em 1995 e a lançou em 1996, Ailes sabia exctamente aquilo que a sua audiência queria. Melhor: sabia como criar uma audiência para os conteúdos tinha para oferecer.

[o trailer de “The Loudest Voice”:]

Episódio 2 e salto para o 11 de Setembro. É impossível ver este episódio e não associá-lo a “Vice”, de Adam McKay, e como o realizador mostra a visão de Dick Cheney sobre o “big picture” no momento dos ataques. Noutra sala, Roger Ailes parecia estar a fazer o mesmo, pelo menos pela câmara de Kari Skogland, que realiza este episódio. Este é um episódio e um momento chave em “The Loudest Vocie”. Se no primeiro é feita a construção da figura de Roger Ailes (através da interpretação de um quase irreconhecível Russel Crowe), tocando em vários pontos que se conhecem da sua figura (a mão forte, a arrogância oportunista) e recorrendo a casos de assédio sexual a que ficou ligado (sempre muito presente, torna-se num dos motivos da série), no segundo percebe-se que “The Loudest Voice” não é só uma história da Fox News. É, sobretudo, a narrativa de um homem que soube fazer uso do sensacionalismo e do oportunismo para criar histeria em massa e paranóia a nível nacional — e, posteriormente, internacional.

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Instalam-se os argumentos para a Fox News tornar-se líder de audiências e  um quase canal de propaganda dos anos da presidência de Bush filho e da guerra do Iraque. Estes dois episódios criam a estrutura para o resto da série, centrada nos últimos anos de vida de Roger Ailes (morreu em 2017), com especial ênfase nas campanhas presidenciais de 2008 (quando Roger ganha controlo editorial completo da Fox News), 2012 e 2016.

[uma entrevista com Russell Crowe:]

“The Loudest Voice” torna-se muito oportuno em 2019 pelo menos por duas razões. Há a figura de poder e o homem por detrás da Fox News, mas também há o homem que foi acusado de vários crimes de assédio sexual. Desde o primeiro episódio que esse abuso de poder começa a ser documentado para ser explorado coma resolução possível nos últimos episódios. É uma série centrada no poder mas que não esquece as vítimas desse mesmo poder. A segunda razão prende-se, claro, com o facto da Fox News ser o canal preferido de Donald Trump. De como as ideias que são apresentadas para um canal de notícias, logo no primeiro episódio, escondem algo que muitos consideram como maléfico e manipulador.

“The Loudest Voice” é uma série sobre um homem, a sua visão das notícias e a manipulação a favor do poder. Há pouco mais de duas décadas, quando Roger Ailes argumentava a sua visão para um canal de notícias, estávamos longe de pensar que um projeto como a Fox News poderia ser normalizado.