Boris Johnson nega ter enganado a rainha Isabel II quando lhe pediu que ordenasse a suspensão do parlamento, em vigor desde 9 de setembro e até ao dia 14 de outubro. Questionado pelos jornalistas sobre se o tinha feito, respondeu: “De maneira nenhuma”. O primeiro-ministro britânico, citado pela Sky News, insiste que o pedido não está relacionado com o Brexit e que serviu apenas para que haja um “Discurso da Rainha”, um momento que marca o início da uma nova sessão no parlamento britânico.
Precisamos de um Discurso da Rainha, precisamos de avançar e fazer uma série de coisas a um nível nacional. Vamos precisar de leis sobre educação, saúde, alojamento, tecnologia, sobre a nossa visão para investir na ciência, no programa espacial, no ambiente… Há uma enorme quantidade de coisas que queremos pôr em marcha e fazer”, insistiu.
Johnson lembrou ainda que a decisão do tribunal escocês não foi a única relativa à mesma matéria. Na semana passada, o tribunal de Londres recusou uma queixa semelhante à que foi apresentada na Escócia contra o Governo, alegando que a decisão do executivo é apenas política e, por isso, legal.
O Tribunal Superior [em Londres] concorda plenamente connosco, mas o Supremo Tribunal terá de decidir”, sublinhou, remetendo a questão para o recurso da decisão escocesa que o Governo enviou para a instância mais alta do país e que deverá ser decidido na próxima semana.
"Absolutely not" – @BorisJohnson insists he did not lie to the Queen about his reasons for suspending parliament.
The PM says parliament will have time both before and after the crucial Brexit summit in October to talk about a deal.
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— Sky News Politics (@SkyNewsPolitics) September 12, 2019
A declaração de Boris Johnson surge um dia depois de um tribunal escocês ter decidido que a suspensão do parlamento britânico é ilegal, por ter sido apenas uma forma de limitar a ação dos deputados, impedi-los de legislar ou discutir a saída do Reino Unido da União Europeia e, sobretudo, para permitir ao Governo avançar para um no deal, uma saída caótica e sem acordo, sem a interferência parlamentar.
Isso significa que, na visão dos magistrados, o primeiro-ministro mentiu ao país e à rainha sobre as suas verdadeiras razões.
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Quando pediu a Isabel II a suspensão do parlamento, Boris Johnson explicou que esse interregno e o Discurso da Rainha que se seguirá permitirão ao Governo formado com a saída de Theresa May explicar ao país os seus planos relacionados com a política interna, começando uma nova sessão no parlamento.
A oposição, porém, nunca acreditou nessas razões. Todos os partidos à margem dos tories — e mesmo alguns conservadores — acusam Boris de ter querido fazer apenas aquilo que o tribunal escocês concluiu: tirar poder e oportunidade ao parlamento para travar um Brexit sem acordo.
Ainda na quarta-feira, depois de a sentença ter sido conhecida, vários deputados defenderam que, caso venha a ficar provado que Boris Johnson enganou, de facto, a monarca britânica, o primeiro-ministro não tem alternativa senão demitir-se. E toda a oposição exigiu a reabertura imediata do parlamento, algo que o Governo, porém, não é obrigado a fazer nem tencionará aceitar.
Os deputados esperam, porém, poder juntar provas de que Isabel II foi de facto enganada. Na segunda-feira, no último dia antes de ser suspenso, o parlamento aprovou uma moção que obriga o executivo a entregar todos os documentos da Operação Yellowhammer. Esses dados foram revelados na quarta-feira à noite, confirmando um cenário caótico e preocupante no caso de uma saída sem acordo. Mas a moção aprovada também prevê que a equipa de Boris Johnson entregue aos deputados todas as mensagens, comunicações e emails trocados por membros do Governo, conselheiros ou funcionários a propósito da suspensão do parlamento.
Dominic Grieve, autor da moção, antigo conservador expulso do partido por Johnson e ex-procurador geral do país, espera com isso poder provar que a suspensão foi pedida apenas por causa do Brexit e, mais uma vez, que o primeiro-ministro mentiu. O Governo respondeu, de imediato, que o pedido era desproporcional e que iria entregar apenas aquilo que considerasse sensato. Por exemplo, as mensagens de Dominic Cummings, diretor da campanha do Leave, no referendo de 2016, e agora chefe de gabinete de Johnson, não serão disponibilizadas — tal como era mais do que esperado.
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Tribunal da Irlanda do Norte recusa proibir no deal
Também esta quinta-feira, um tribunal da Irlanda do Norte recusou proibir um cenário de saída sem acordo. A decisão surge na sequência de uma ação que alegava que um no deal poderia pôr em causa o processo de paz entre as Irlandas. O The Guardian explica que o juiz que apreciou a ação concluiu que a questão é política e não judicial, recusando, por isso, intervir. Quando à questão da suspensão do parlamento, que também foi levantada, recusou apreciá-la por haver já dois tribunais a fazê-lo: o de Londres, que deu razão o Governo; e o da Escócia, que considerou a suspensão ilegal.
Estas duas últimas ações vão ser apreciadas pelo Supremo Tribunal do Reino Unido na próxima semana. A relativa à Irlanda do Norte deverá ser decidida ainda esta sexta-feira pelo tribunal de recurso norte-irlandês.
Somados os processos levados à justiça depois da suspensão do parlamento britânico, o Governo leva, até agora, duas vitórias (Irlanda do Norte e Londres) e uma derrota (Escócia).