A histórica Papelaria Araújo & Sobrinho, fundada no Porto em 1829, celebra este ano o 190.º aniversário e os donos da secular loja acreditam que o futuro do negócio pode passar por Lisboa, Inglaterra, Japão, Brasil ou Nova Iorque.

“Já fomos abordados por um americano que queria levar [a papelaria] para Nova Iorque (EUA) e ingleses que querem abrir em Londres”, desvenda Joana Araújo Jorge, tetraneta do fundador da histórica papelaria portuense Araújo & Sobrinho, referindo que abrir um ‘franchising’ em Lisboa significaria “faturar o triplo”, porque “há mais turismo”.

No “mercado da nostalgia de um tempo em que havia mais tempo”, e em que há pessoas que “têm saudades de escrever, ler e pensar”, Joana Araújo Jorge considera que o conceito da Araújo & Sobrinho “funcionaria perfeitamente em Inglaterra “, assim como no Japão, pelo “toque europeu” da loja, no Brasil ou em Nova Iorque (EUA).

Fundada em 1829, no número 55 do Largo de São Domingos, em plena Baixa da Porto e junto à Ribeira, a secular Papelaria Araújo & Sobrinho, considerada uma das mais antigas do mundo nas mãos da mesma família e no mesmo local, foi comprada pouco tempo depois da Independência do Brasil (1822) por Manuel Francisco de Araújo a uns familiares da sua esposa, que exploravam o estabelecimento comercial “Armazém de papel ao murinho de São Domingos”.

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Volvidos 190 anos, Miguel Araújo, 52 anos, da quinta geração da família fundadora da papelaria, em colaboração com a prima Joana Araújo Jorge, da sexta geração, estão a relançar a marca Araújo & Sobrinho, com um pequeno museu na loja, o Hotel A. S. 1829 e um restaurante localizado no Largo de São Domingos.

Criada antes de haver eletricidade e telefone no Porto, a Araújo & Sobrinho assinala este ano o 190.º aniversário com um painel que conta a história da papelaria através dos eventos mais marcantes desde o ano de 1800. No painel pode ver-se que a loja atravessou as guerras liberais em 1832, ou como assistiu à distância à Guerra Civil americana (1861-1865), ao assassinato de Abraham Lincoln (1865) e às duas Guerras Mundiais (1914-1918 e 1939-1945).

Com o volume de negócios a crescer 10% a 15% ao ano, desde 2017, e com a ambição de continuar a expandir o negócio, a histórica papelaria teima em adaptar-se aos tempos modernos e em ultrapassar as crises económicas e tecnológicas dos anos 90, elegendo os valores da “cooperação” em detrimento da “competição” com os rivais do setor, destacou Joana Araújo Jorge, tetraneta do fundador.

“Se nós não tivermos uma coisa, eu digo o nome da loja onde a podem ir buscar. Não tenho problema com isso. Somos muito mais de cooperar e fazer parte, do que de competição e guerrinhas”, relata.

A antiga papelaria, que começou por vender papel para receitas e faturas, papel para embrulho, papel perfumado e, mais tarde, sabonetes, canetas de aparo e de tinta permanente, tinteiros, perfumes e sedas, entra na segunda geração da família em 1884, com Manuel Francisco de Araújo Júnior, época que se prolonga até 1923, com a chegada da terceira geração da família aos comandos da Araújo & Sobrinho.

Durante o período da segunda geração, a papelaria assiste, por exemplo, à circulação do primeiro automóvel criado por Karl Benz (1886), ao assassinato do rei D. Carlos I (1908), à Implantação da República (1910) ou à Revolução Russa (1917). A empresa, que tinha 69 anos de vida quando o Homem chegou à Lua (1969), celebra o seu primeiro centenário em 1929, no mesmo ano em que acontece o ‘crash’ da Bolsa de Wall Sreet e a Grande Depressão Americana.

A papelaria fica nas mãos da quarta geração em 1945, época em que está prestes a estalar a Guerra Fria (1947) e mais tarde a crise dos mísseis de Cuba (1962) e a Guerra Colonial (1975).

É já na quinta geração, em 1970, que a Araújo & Sobrinho vê acontecer a Revolução do 25 de Abril (1974), a adesão de Portugal à CEE (1986), a Queda do Muro de Berlim (1989) e a classificação do Centro Histórico do Porto como Património Mundial da UNESCO (1996), o ataque as Torres Gémeas em Nova Iorque (11 de setembro de 2001).

O estabelecimento, que chegou a ter 600 funcionários e 15 lojas, tem hoje 30% de clientes nacionais e 70% de estrangeiros.

Quem visitar hoje a histórica, mas renovada, papelaria, descobre na zona museológica na loja cítaras dos antigos fundadores, uma estátua do século XVIII de Santa Catarina das Flores, a escultura de terracota “Dirty Boy”, de Focardi datada de 1878, ou uma salva de 1961, que assinala o facto de a loja ter implementado a “Semana Inglesa”, que implica não trabalhar ao domingo e ao sábado à tarde.

O desejo atual dos donos da Araújo & Sobrinho é continuar a expandir o negócio sempre de mãos dadas aos habitantes do Porto, que desafia a ir visitar a loja e a regressar aos tempos em que havia tempo para “ler, escrever e pensar”, conta Joana Araújo Jorge, que entretanto já infiltrou o “bichinho” pelo papel e pela escrita nos seus filhos. É a sétima geração a chegar à Araújo & Sobrinho.