África está à beira de sofrer a terceira colonização, enquadrada pela globalização e pelo controlo monopolista das empresas asiáticas, disse esta quarta-feira o vencedor do Prémio Nobel da Paz de 2018, Denis Mukwege.

O médico ginecologista, que se tornou conhecido quando fundou o Hospital Panzi, na República Democrática do Congo (RDCongo), onde já foram tratadas milhares de vítimas de crimes sexuais, criticou a “regressão” das novas formas de organização social e afirmou que África está “à beira de sofrer a terceira colonização”.

Depois dos tempos da escravatura e da colonização dos países ocidentais, hoje em dia as empresas asiáticas estão em vias de tudo monopolizar, no quadro de uma globalização inclusiva que não respeita nem mesmo o ambiente”, disse Denis Mukwege, durante a abertura da Bienal de Luanda-Fórum Pan-Africano para a Cultura de Paz.

A crítica foi estendida aos próprios africanos, mais interessados em zelar pelos interesses pessoais do que pelos do povo, questionando: “Onde está a nossa solidariedade? Onde está a nossa fraternidade? Onde está a nossa dignidade?”

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Para Denis Mukwege, a cultura da paz “deve estar no centro das preocupações” individuais e coletivas e cabe aos africanos encontrar soluções para o caminho da paz e da prosperidade, com base nas suas culturas e tradições.

“O grande problema de África é não ter sabido capitalizar a cultura para desenvolver a sua identidade”, considerou, referindo que “a adoção de uma cultura importada” levou a uma incapacidade de dominar as próprias tradições africanas e apontou a instabilidade permanente como o maior impedimento à construção de uma paz duradoura.

O médico lamentou que a distribuição da riqueza não seja feita de forma equitativa e que as mulheres sejam relegadas para segundo plano, salientando que só será possível transformar África numa potência mundial desenvolvendo “uma identidade africana autêntica” e o respeito pelos direitos humanos e pela diversidade cultural.

“Estamos longe de satisfazer necessidades básicas da nossa população e de satisfazer as suas aspirações legítimas”, o que explica que muitos jovens procurem outras alternativas de sobrevivência, juntando-se a milícias e à ‘jihad’, como no Sahel, ou busquem o exílio arriscando as vidas no Mediterrâneo, declarou.

Segundo Denis Mukwege, África tem os meios materiais para trilhar um caminho de prosperidade, “tudo é uma questão de vontade política” e “boa governação dos recursos”.

O médico falou ainda sobre o seu próprio país, cujo ciclo de violência se mantém desde os anos de 1990 e já provocou mais de seis milhões de mortos, quatro milhões de deslocados e milhares de violações de mulheres e raparigas, incluindo bebés, apelando aos chefes de Estado, União Africana, Nações Unidas e sociedade civil para que se mobilizem em torno da justiça para punir os responsáveis pelos crimes.