A Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC) considera injusta, infundada e um precedente perigoso a acusação do Ministério Público (MP) contra três responsáveis, no processo da aeronave que aterrou numa praia da Costa de Caparica, Almada, provocando dois mortos.

No Requerimento de Abertura de Instrução (RAI), a que a agência Lusa teve acesso esta quinta-feira, o regulador manifesta “surpresa e indignação” com a tese do MP que imputa ao presidente da ANAC, Luís Ribeiro, e a Vítor Rosa e José Queiroz (diretores) a autoria de um crime de atentado à segurança de transporte por ar, agravado pelo resultado, por alegadas falhas e omissões na fiscalização, supervisão e segurança.

Além do presidente do Conselho de Administração da ANAC, do diretor da Segurança Operacional (Vítor Rosa) e do chefe do Departamento de Licenciamento de Pessoal e de Formação (José Queiroz), o MP acusou ainda o piloto instrutor, Carlos Conde d’Almeida, e três responsáveis da Escola de Aviação Aerocondor: Ana Vasques, administradora, Ricardo Freitas, diretor de Instrução, e José Manuel Coelho, diretor de Segurança e Monitorização de Conformidade.

A instrução vai decorrer no Tribunal de Almada, com o juiz de instrução criminal a decidir no final se o processo segue e em que moldes para julgamento.

Para a ANAC, o que é imputado aos seus responsáveis “é um crime impossível, assente num encadeamento factual incoerente, formula juízos causais manifestamente ilógicos”, além de ser “inaudita a acusação de dirigentes e diretores de uma Autoridade pública de transportes pela prática de um crime de atentado“.

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A tese do MP “cria um precedente que é igualmente perigoso e imprudente: a responsabilização de dirigentes de Autoridades públicas de transportes por acidentes ocorridos”, salienta o RAI.

“Com efeito, a pergunta que este processo suscita é a de saber se o Ministério Público acusaria dirigentes do IMT [Instituto da Mobilidade e dos Transportes] se em causa estivesse um acidente rodoviário causado por uma falha mecânica e/ou inabilidade do condutor do automóvel”, acrescenta o regulador.

A defesa da ANAC sublinha que, “mesmo que houvesse total fiscalização”, ainda assim, “o acidente teria, com elevada probabilidade, ocorrido, mercê da intervenção de uma falha mecânica e das falhas do piloto no processo causal que nenhum sistema de supervisão poderia antecipar”.

O RAI sustenta que “não faz sentido acusar o arguido Carlos d’Almeida (piloto) de não ter efetuado uma aterragem de emergência de acordo com os procedimentos que conhecia e, simultaneamente, imputar aos arguidos da ANAC a causa de um acidente, por não supervisionarem a transmissão desses conhecimentos”.

O requerimento acrescenta que o MP “censura (incoerentemente) supostas omissões” dos responsáveis da ANAC “na ótica do seu pretenso contributo causal para o acidente, mas, limitado pela inexistência de factos que lhe permitissem indiciar essa teoria, acaba por nunca concretizar quais as falhas de segurança e supervisão incorridas pelos arguidos, bem como o que deveriam ter feito em alternativa para cumprir a lei penal, nem qual a relação causal entre essas pretensas falhas e a aterragem de emergência na praia de S. João da Caparica“.

“A acusação é, salvo o devido respeito, manifestamente injusta, pecando pela confusão e pelo desconhecimento da realidade”, frisa o regulador do setor da aviação civil. O RAI considera também “incoerente e fantasiosa” a pretensão do MP ao associar o desconhecimento da ANAC quanto à situação psicológica do piloto Carlos d’Almeida.

“E isto porque o próprio libelo afirma que o referido arguido omitiu a incapacidade médica de que padeceria da ANAC e dos especialistas médicos que o certificaram. Ou seja, assume que foi o próprio arguido que ocultou a informação médica em causa, informação essa que estava legalmente obrigado a prestar com fidedignidade”, lê-se no requerimento.

Em 2 de agosto de 2017, o avião ligeiro, bilugar, modelo Cessna 152, descolou do Aeródromo de Cascais (distrito de Lisboa) com destino a Évora, para um voo de instrução, mas depois de reportar uma falha de motor, cerca de cinco minutos após a descolagem, fez uma aterragem de emergência no areal da praia de São João, colhendo mortalmente uma criança de 8 anos e um homem de 56.