A escola de Carrazeda de Ansiães conta 50 crianças filhas de imigrantes que se fixaram no concelho transmontano aliciados pelos trabalhos agrícolas onde se multiplica o número de nacionalidades para suprir a falta de mão-de-obra local.

A maçã é o epicentro deste fenómeno mais visível na última década, com o aumento da área desta cultura a sorver a mão-de-obra a produções agrícolas vizinhas, como do Vale da Vilariça, onde já se fala em mudar para culturas mais mecanizadas, e a atrair trabalhadores estrangeiros, da Europa de Leste à Índia.

As comunidades búlgara e cazaque são as mais representativas, com perto de 200 elementos já fixados num concelho com pouco mais de cinco mil pessoas e onde as produções agrícolas movimentam mais de 20 milhões de euros por ano e aliciam cada vez mais mão-de-obra estrangeira.

É de indianos a empresa de prestação de trabalhos agrícola que na campanha em curso levou este ano, pela primeira vez, trabalhadores desta nacionalidade aos pomares de maçã do planalto de Carrazeda de Ansiães com alojamento pago pelos produtores.

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Sahil Chuttani é o único que fala português no grupo que a Lusa acompanhou num pomar, e está ao serviço da empresa Verão Drapeado a “controlar e a organizar as coisas” no terreno.

A empresa de prestação de serviços tem “70 a 80” trabalhadores, todos homens, e escolheu a agricultura “porque há mais trabalho”, como explicou o jovem supervisor, como jovens são todos os trabalhadores que ao acompanham.

Escolheram a agricultura por ser “uma porta para trabalhar o ano completo”, num circuito que percorre todo Portugal.

“Agora maçã, depois começam no kiwi, depois azeitona”, concretizou, indicando que “o mais difícil é o primeiro ano” depois da chegada a Portugal decido às burocracias da legalização.

“Ter tudo legal” é a preocupação de Nuno Martins, produtor de maçã com 25 hectares de pomares, que recorreu aos serviços desta empresa para resolver o problema da falta de mão-de-obra.

“Nesta altura há duas culturas com bastante quantidade para apanhar, que é a maça e a vinha, e o pessoal de Carrazeda não chega, temos de recorrer a mão-de-obra estrangeira ou de fora. Precisamos de muita gente em pouco tempo, setembro, outubro”, contou.

Nuno já teve trabalhadores de várias nacionalidades e o recurso aos estrangeiros “já vem de há mais de 10 anos, desde que a área de produção aumentou”.

Este produtor oferece inclusive alojamento, recorrendo ao arrendamento de casas na vila, mas já tem colegas com alojamento próprios nos pomares para este fim.

Com a apanha da maçã no pico atualmente, Nuno traz nos pomares 30 trabalhadores, metade estrangeiros e metade de Carrazeda, incluindo estudantes que aproveitam para ganhar dinheiro enquanto não começam as aulas.

É o caso de Carla Pereira que há já alguns anos anda na apanha durante mais ou menos 15 dias para ajudar no curso de Serviço Social, que está a tirar em Castelo Branco.

O início da campanha da maçã tornou-se numa dor de cabeça para outros produtores agrícolas como Gil Freixo, da vizinha Santa Comba da Vilariça, que dá trabalho de abril a outubro e na apanha precisa de uma média de 40/50 trabalhadores diários para a cultura do pêssego típica do fértil Vale da Vilariça, junto com a nectarina.

“Só não temos dificuldades no mês e julho e parte de agosto, depois começa a maçã e eles mudam-se para a maçã. Oferecem mais, o pêssego não dá para pagar mais”, desabafou à Lusa.

Também Gil Freixo e outros produtores do vale recorrem à mão de obra estrangeira, que inclui trabalhadores até do Nepal, mas nunca têm a certeza de quantas pessoas vão ter no campo a trabalhar devido à concorrência.

Em relação à mão-de-obra local, diz que anteriormente perto da aldeia, os produtores conseguiam “facilmente contratar e agora, ultimamente, as pessoas têm apoios para estarem em casa sem trabalhar por isso não estão interessadas em trabalhar”.

A solução “não é obrigar ninguém a trabalhar”, mas defende que devia haver um acordo entre os produtores e o centro de emprego que permitisse encontrar uma solução satisfatória para ambas as partes.

As consequências da atual situação, como apontou, já são visíveis na produção.

“É chegar ao tempo e não conseguirmos fazer o trabalho, acontece várias vezes, no ano passado não conseguimos apanhar a fruta no tempo ideal da maturação, vai acabar por cair”, concretizou.

Gil Freixo afirma que ele e outros produtores já estão a pensar “mudar a cultura para outras que não necessitem tanta mão-de-obra, por exemplo o olival, a amêndoa”.

Também o presidente da Câmara de Carrazeda de Ansiães, João Gonçalves, defende a “necessidade premente (de) adaptar a legislação laboral” à realidade das campanhas sazonais baseadas na tradicional jeira paga ao dia em valores que vão de 35 a 50 euros.

A tendência é para a oferta de trabalho crescer segundo indicadores como as manifestações de investimentos ligados ao setor manifestadas para os 40 novos lotes vão ser criados na zona industrial.

A necessidade de mão-de-obra e a presença de estrangeiros para a colmatar “também é uma foram de combater o despovoamento” com as comunidades de imigrantes que já ali vivem em permanência e já tiveram filhos no concelho.

“Eles já são uma percentagem muito interessante da comunidade escolar, cerca de 10% dos alunos do agrupamento são filhos desses emigrantes”, enfatizou.

São cerca de 50 crianças de comunidades que já merecem a atenção da Associação de Municípios da Terra Quente Transmontano que está a trabalhar um plano para aprofundar o conhecimento e apoio à integração nos concelhos de Carrazeda de Ansiães, Vila Flor, Macedo de Cavaleiros, Mirandela e Alfândega da Fé.