Em 2007, há 12 anos, Portugal olhou como nunca tinha olhado para o Mundial de râguebi. Naquele ano, em França, a equipa comandada por Tomaz Morais viveu um autêntico sonho ao tornar-se a primeira seleção não profissional a apurar-se para a maior competição de râguebi, conseguiu registar pelo menos um ensaio contra todos os adversários (incluindo a Nova Zelândia) e saiu do torneio com três derrotas em três jogos mas enquanto um dos destaques do Mundial. 12 anos depois, Portugal não voltou a conseguir qualificar-se para um Campeonato do Mundo. E o deste ano começa esta sexta-feira, dia 20 de setembro, no Japão.

No espaço temporal do último ano, tem sido recorrente ouvir que o Mundial de futebol foi um dos mais importantes de sempre, que o Mundial de futebol feminino foi um dos mais importantes de sempre, que o Mundial de basquetebol foi um dos mais importantes de sempre. De repente, por motivos que tanto se aproximam do cerne do desporto como estão relacionados com o que gira à volta da modalidade, as principais competições mundiais tornaram-se as mais importantes de sempre. E também este Campeonato do Mundo de râguebi, onde a Nova Zelândia vai tentar revalidar o título conquistado há quatro anos, está a ser apresentado como o mais importante de sempre. Porquê? Porque há cerca de um mês, em agosto, o País de Gales destronou os neozelandeses do primeiro lugar do ranking mundial pela primeira vez em 509 semanas consecutivas, ou seja, quase 10 anos ininterruptos.

A seleção da Nova Zelândia é a atual campeã mundial em título, já que conquistou o Mundial de 2015 ao vencer a Austrália na final

A hegemonia do país da Oceânia no râguebi internacional torna-se ainda mais evidente quando se percebe que, para além do País de Gales agora, só Inglaterra e África do Sul haviam ocupado a liderança do ranking além da Nova Zelândia. Quer isto dizer que os neozelandeses foram a melhor seleção do mundo ao longo de 88% do tempo desde que existe um ranking. A recente competitividade no topo do râguebi internacional tornou-se ainda mais evidente há poucas semanas, quando a Irlanda subiu ao primeiro lugar e Gales caiu para quinto (com Nova Zelândia, Inglaterra e África do Sul pelo meio). De repente, tudo aquilo que se achava que se sabia desvaneceu. E é neste contexto que o Campeonato do Mundo de 2019 arranca esta sexta-feira.

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O Japão, a seleção anfitriã, vai tentar repetir e melhorar a campanha de 2015, em Inglaterra, quando venceu África do Sul, Samoa e Estados Unidos e ficou muito perto de passar aos quartos de final. Para isso — e para além de ter o “fator casa” –, conta principalmente com Michael Leitch, o capitão de equipa. E basta ouvir ou ler o nome do jogador para perceber que Leitch não nasceu no Japão: mas isso pouco importa. Nascido na Nova Zelândia, mudou-se para o país asiático aos 15 anos para estudar, convidado por japoneses que a sua família havia acolhido no âmbito de um programa de intercâmbio. “Lembro-me de ir para a escola e toda a gente olhar para mim a dizer: ‘Olha, o miúdo estrangeiro'”, disse o atleta em entrevista à Reuters, onde explicou que ganhou o respeito e a amizade dos colegas através do râguebi.

Em 2015, o Japão esteve perto de fazer história quando quase se qualificou para os oitavos de final do Mundial

“Se não tivesse começado a jogar râguebi, não teria durado tanto tempo aqui. A ligação com a equipa de râguebi, fazer amigos, formar uma irmandade, tudo isso me ajudou nos primeiros anos”, acrescentou Michael Leitch. Atualmente com 30 anos e cidadão japonês desde 2013, o capitão da seleção é atualmente uma das caras mais conhecidas do desporto no país — e não esconde que foi e continua a ser uma figura importante no processo de mudança de uma sociedade que é ainda muito resistente à imigração. “Quando olho para a minha posição neste momento e para o sítio onde estou, vejo que existe uma oportunidade massiva para inspirar muitas pessoas. O Japão é um país muito fechado. Por isso, ter-me como cara da seleção e como figura de proa, acho que faz com que me consiga ligar às pessoas que vivem no Japão e são estrangeiras. Muita gente passa dificuldades aqui”, garantiu Leitch.

O “filho preferido do râguebi do Japão”, como lhe chama o antigo treinador Jamie Coventry, vai liderar uma seleção japonesa que quer chegar o mais longe possível e que promete aproveitar o facto de estar a jogar em casa para não facilitar nenhum resultado. Pelo meio, o Mundial do Japão vai ser uma espécie de ensaio geral para os Jogos Olímpicos que Tóquio vai organizar já no próximo verão, desde infraestruturas a receção de milhões de pessoas e passando pela segurança, e é o primeiro em vários anos em que uma vitória de uma seleção que não a Nova Zelândia, Inglaterra, África do Sul e Austrália (as únicas que já foram campeãs do mundo) parece exequível. Afinal, este é o Mundial mais importante de sempre. E Michael Leitch, ao comando da seleção japonesa, pode dar mais um passo na demanda de se tornar o jogador mais importante de sempre do râguebi japonês.