Um Porsche Cayenne ilustrou a capa da edição de 14 de Setembro da revista alemã Der Spiegel. A imagem está ao centro e chama a atenção não tanto pelo destaque dado ao SUV germânico, mas sim pelo tom crítico da manchete: “O nosso contributo para a protecção do meio ambiente.” E, como se a mensagem não fosse só por si suficientemente eloquente, por baixo é dada a “machadada” final, numa clara crítica aos SUV e às próprias decisões dos consumidores. “Odiado, mas desejado: SUV, o símbolo da dupla moral alemã”, lê-se.

A capa da publicação alemã seria impensável há uns anos. Desde logo porque a indústria automóvel coloca a Alemanha na liderança entre os fabricantes europeus, depois porque representa mais de 800 mil postos de trabalho. Por esses dois motivos, “habituou-se” a usufruir de alguma protecção política. Mas até as prioridades, a nível político, estão a mudar no maior mercado do Velho Continente. Se dúvidas existissem, basta lembrar que o ministro dos Transportes, Andreas Scheuer, tratou logo de esclarecer, quando tomou posse, que não era “amigo dos chefes da indústria automóvel”.

É o resultado da estratégia desses “líderes” que está a gerar uma crescente animosidade. A ponto de a Der Spiegel lhe dar eco, isto poucos dias depois de o Salão de Frankfurt ter aberto portas, numa edição em que o último e mais importante certame do ano dedicado ao automóvel se viu desfalcado pela ausência de mais de 20 marcas. E as que marcaram presença, fizeram-no de forma mais contida, com grande parte delas a apontar baterias à electrificação.

Mas nem o facto de a Volkswagen virar os holofotes ao seu primeiro eléctrico de nova geração, o ID.3, e a Porsche concentrar atenções no Taycan demoveu manifestações contra os motores a combustão e, em particular, contra os SUV.

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A avaliar pela capa da Der Spiegel, a viragem dos construtores para os veículos mais amigos do ambiente não branqueia o passado. Os grandes SUV estão cada vez mais a ser vistos como um alvo a abater, mas a verdade é que os fabricantes alemães apostam neles há mais de uma década. Fazem-no (a capa reflecte isso) porque há clientes para este tipo de carros, do Porsche Cayenne ao BMW X5, do antigo Mercedes ML ao GLE, sem esquecer o Volkswagen Touareg. A apetência dos clientes foi aproveitada pelos construtores para introduzir modelos de menor bitola mas, ainda assim, este tipo de veículos acaba por ser mais poluente que um automóvel convencional, fruto de ser mais “alto” e volumoso. Agora começaram a ser vistos como um “perigo” para os peões e como um inimigo do ambiente.

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Sucede que a “força” de vendas dos construtores de automóveis alemães assenta, precisamente, nos SUV. No entanto, as marcas revelam-se cada vez mais incapazes de aliciar novos clientes, com a idade média de quem adquire um carro novo na Alemanha a apontar para os 53 anos, segundo a Bloomberg. Ou porque não se sentem atraídos pelas propostas dos fabricantes, ou porque não encaram a propriedade como condição para se movimentarem, os jovens alemães parecem cada vez mais interessados em pedalar contra a indústria que os pais e avós sempre apoiaram. A jornada adivinha-se longa pois, em 2018, os alemães adquiriram 3,4 milhões de carros novos, sendo que mais de um quarto das vendas foi de SUV e 95% das unidades estavam equipadas com um motor a gasolina ou a gasóleo.

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Entretanto, no meio desta crise de imagem, o homem que seria responsável por defender os interesses dos fabricantes, e desconstruir a perspectiva “arrasadora” que as associações ambientais têm vindo divulgar, demitiu-se. Bernhard Mattes renunciou abruptamente ao cargo de presidente da VDA, papel que deixará de exercer no final do ano. Não foi apresentada qualquer justificação, mas o Sueddeutsche Zeitung avança que o Grupo Volkswagen “não estava satisfeito” com o desempenho de Mattes.