Ainda não tinha chegado a hora marcada, 17h, e já a Praça da República estava recheada de pessoas, principalmente estudantes. Ao redor de uma das muitas palmeiras do jardim viam-se, no chão, cartazes, copos de tinta com pincéis e alguns megafones ainda sem dono. A ensaiar os cânticos para a marcha que marcava o último dia da Semana Global pelo Clima estava Rui Pontes. Tem 18 anos e já esteve na rua com as mesmas reivindicações na greve passada, em maio. “Acredito muito no poder de contaminação e esta não é uma greve de estudantes, é uma greve geral”.
Se uns afinavam a voz, outros encarnavam a personagem. Que o diga André Paupério, estudante de Novas Tecnologias da Comunicação em Aveiro, que apareceu no local vestido de Jesus Cristo, com uma túnica branca e um lenço vermelho a tiracolo. “Toda gente sabe que só Jesus faz milagres. Os políticos estão à espera de um milagre, nós não”, conclui o jovem de 20 anos. Sentados num dos bancos de madeira, ainda a completar os seus cartazes de cartão, estavam os amigos Bruna Santos, Beatriz Correia e Luís Silva, todos alunos da Escola Artística Soares dos Reis, no Porto. Com 16 anos, ainda não têm poder de voto, mas garantem que já começaram a fazer alguma coisa “para melhorar o mundo”. Bruna e Beatriz tornaram-se recentemente vegetarianas, Luís não tem o apoio dos pais para mudar a sua alimentação, por isso opta por “reciclar e consumir o menos plástico possível”. “Não sou fã de radicalismos, mas é importante estarmos aqui e agir”, diz Bruna, sem pestanejar.
Quem já tinha o seu cartaz concluído era Rodrigo Torres. Estuda Línguas e Humanidades em Matosinhos e, no futuro, gostava de ser político na área do ambiente. “Acho que faltam bons políticos em Portugal”. Na mão traz um cartaz com uma fotografia de João Pedro Matos Fernandes, Ministro do Ambiente, com um balão em jeito de banda desenhada que diz “Leave me alone”, dirigindo-se a esta greve. “Isto não é uma piada, não estamos aqui a brincar às greves, simplesmente não encontramos outra maneira de nos fazer ouvir”, disse num tom reivindicativo e já a levantar a sua obra de arte para toda a gente ver.
Ana Campos, professora de Físico-Química na Póvoa do Varzim, não tem dúvidas de que “a educação se faz pelo exemplo” e, por isso, não pensou duas vezes em marcar presença nesta iniciativa. Foi numa das suas aulas que muitos estudantes ficaram a conhecer jovem ativista Greta Thungberg. “Dizem que veem Netflix, ligam pouco a notícias, parte de nós mostrar-lhes esta realidade.” Na mão traz um globo enfiado num guarda chuva laranja e um papel onde pode ler-se “Save Your Home”. “É uma espécie de cartaz 3D, espero dar nas vistas”.
[Em Lisboa, no Porto e em 170 países. As imagens de um protesto que pôs o mundo na rua]
Rui Fernandes não traz nada nas mãos, mas sim às costas. A filha de 8 anos está às suas cavalitas e segura um cartaz que fez na escola: “Ajudem-me a salvar o mundo”. “É a primeira vez que venho a uma manifestação deste género, mas hoje faz sentido. Já uso carro elétrico há seis anos e meio, reciclo em casa e tento transmitir esta mensagem aos meus filhos.” Para este pai, é fácil passar uma mensagem ecológica e ativista aos mais novos, “o pior são mesmo os mais velhos”. A dois passos dali encontrámos uma avó. Emília Gonçalves tem 81 anos, quatro netos e dois bisnetos e, ainda no aquecimento da marcha na Praça da República, ajuda a segurar uma tela gigante com a frase: “As avós vieram à greve, e tu? Vais ficar em casa a fazer croché?”. “Só não muda quem não quer”, começa por dizer Emília, acrescentando que hoje estão a voltar os “sacos de pano e serapilheira que usava em menina para ir ao pão”. Esta avó nascida em Cabeceira de Basto, mas “adotada” pelo Porto, admite que “é difícil mudar mentalidades, mas não se pode desistir”.
A marcha começa, já perto depois das 18h, e fazem-se ouvir tambores, gaitas de foles, versões ativistas dos Queen, de António Variações e cânticos orelhudos ecoam nos megafones como: “A nossa luta é todo o dia, é pela água, floresta e energia”.
Compasso de espera para não tropeçar em António no Costa no caminho
No início da rua de Santa Catarina está Johannes Adams. É alemão, tem 18 anos e está há dois meses no Porto, a trabalhar na Cruz Vermelha Portuguesa. Ainda com um português pouco fluente, o jovem conta que já participou numa manifestação contra as alterações climáticas em Hamburgo, “bem maior do que esta”. Veio hoje para “conhecer gente alternativa” — “como eu”, diz com o passo apressado para ir ter com os novos amigos. Do outro lado da rua vemos Alpa Banji, uma indiana nascida em Moçambique e a viver no Porto há 45 anos. Encostada à porta da sua loja de artesanato vê a filha de 26 anos a passar, juntamente com várias centenas de jovens a gritarem: “Deixa a passar, deixa passar, sou ativista e o mundo eu vou mudar”. “Já vi muitas manifestações passarem por aqui, mas esta se calhar é a mais importante”.
Eis uma pausa no caminho, os mais de uma dezena de agentes da Polícia de Segurança Pública impedem que se avance, pois, uns metros à frente, avista-se a comitiva do PS, numa arruada em plena campanha eleitoral. Quem vê o tweet de António Costa até pensa que se chegaram mesmo a cruzar.
Os jovens que hoje saíram à rua, em #Portugal e em todo o mundo, inspiram-nos a agir para construir um futuro mais sustentável. O seu ativismo é um sinal de esperança, para que deixemos às novas gerações um planeta mais verde. #greveclimática #climatestrike pic.twitter.com/0XJpaLRH5Q
— António Costa (@antoniocostaps) September 27, 2019
À espera de recuperar o fôlego está uma família com três gerações. Paulo Macedo trouxe a mãe, de 77 anos, e os filhos, de quatro e oito. Cada um carregava um cartaz desenhado por si. Enquanto a avó escreveu a letras garrafais pretas que “cuidar do próximo é cuidar do planeta”, a neta pede que “oiçam a Greta”.
O ativista não concorda com o tratamento que as greves pelo clima têm tido na opinião pública. “Isto quase que se transformou numa brincadeira de criança. Admite-se que depois uma pessoa cresce e entra no sistema. Não pode ser assim. Precisamos de um sistema novo”, analisa. Já vai na sexta manifestação pelo clima. A filha mais velha já vai na quarta. E apesar de ter alguma resistência em trazer os filhos menores “para este ambiente“, diz ser importante mostrar-lhes que “mudar o sistema não é algo para fazer nos próximos cinco anos”. É a longo prazo.
A conta-gotas, o percurso é retomado até à Avenida dos Aliados, o destino desta greve, e, ao entrar na zona mais movimentada de Santa Catarina, onde se viam elementos da Juventude Socialista a enrolar as bandeiras e técnicos de som a arrumar as colunas, António Varela pergunta ao Observador: “Esta manifestação tem alguma ligação partidária?”. Ao saber a resposta, arregala os olhos e tira o telemóvel do bolso para começar a filmar. António é de Sintra, veio hoje ao Porto para uma reunião de trabalho e ficou a passear pela rua. “Vi agora passar o PS, mas esta põe a arruada do PS no bolso”, diz, mostrando-se surpreendido com o número de jovens no gigante cordão humano. “Eles têm um trunfo que eu não tive, as redes sociais.”
Tal como António, são muitos os turistas que registam o momento com os telemóveis e apontam sorridentes para os cartazes escritos em inglês, entendendo a mensagem. Na esplanada do concorrido Café Majestic, Mehnat Len levanta-se e aplaude quem passa a ecoar frases-chave como: “Jovens unidos, jamais serão vencidos”. Tem 27 anos, é natural de Tóquio e está no Porto de passagem. Não estava à espera da excessiva movimentação na rua ao final da tarde — onde, segundo a PSP, se juntaram 5.000 pessoas —, mas elogia o espírito da iniciativa. “É, de facto, a mudança a acontecer na rua. Surpreende-me ver gente tão jovem aqui”, confessa ao Observador.
Os Z querem mudar o mundo, mas têm que se fazer ao voto
Em Portugal, os “Z” são mais de dois milhões. Esta geração nasceu entre 1997 e 2012 e tem entre cinco e 22 anos. Segundo o último Eurobarómetro, estes “peritos” em ecologia e alterações climáticas querem mudar o mundo, desejam fazer a diferença, mas, nas últimas legislativas, só 19% foram às urnas. O mesmo estudo identificou que a maior preocupação política da população dos 15 aos 24 anos é o combate às alterações climáticas. Por isso têm saído à rua.
André Almeida fez recentemente 18 anos e por isso diz, a medo, que vai votar. Não sabe ainda em que partido nem leu quaisquer programas eleitorais. “Não percebo nada de política, é um problema”, admite, reforçando logo a seguir a ideia de que não é por falta de informação, “a maior parte das vezes é falta de interesse”.
Nem de propósito, o clima é o primeiro dos três temas que o jovem, acabado de atingir a maioridade, sugere aos políticos para que a mensagem possa chegar aos mais novos. Seguem-se o envelhecimento da população, “um problema grave na Europa”, e a emigração. Quanto a medidas concretas, André aponta “incentivos para as empresas que reduzem as emissões de CO2”.
Vindo propositadamente de Aveiro para participar na greve, que passou de “estudantil” a “geral”, André Paupério, de 20 anos, vira-se para os animais, propondo regular a indústria agropecuária e eliminar definitivamente o plástico. Mas não sabe ainda se vai votar nestas legislativas. Falta-lhe ler as medidas relativas ao clima de todos os programas eleitorais e decidir depois. Isto “se tiver tempo até dia 6 de outubro”.
Da mesma idade, Maria Viana também faz menção ao clima quando se fala em eleições legislativas. Vai votar pela segunda vez, depois de já o ter feito nas europeias, e, “também nessa altura, o clima era a prioridade”. A portuense não demorou muito a decidir em quem colocar a cruzinha. “Estava indecisa entre o Partido Livre e o Bloco de Esquerda”, mas opta pelo que já faz parte da geringonça, até porque não quer que o Partido Socialista ganhe por maioria absoluta. É um partido que “vai mudando de legislativa para legislativa, nunca sabemos o que ele quer”, comenta, não convencida. “Isto tem de ser uma prioridade e os partidos têm de perceber isso muito rapidamente”.
Maria Viana vai na mesma direção de André quando se fala em medidas concretas: “regulamentar as grandes empresas”, porque apesar de importarem as ações individuais, “não chegam”. A estudante de Relações Internacionais, como os outros dois jovens eleitores com quem falou o Observador, não sabia que António Costa estava em arruada uns metros abaixo, mas, se chegasse a cruzar-se com ele, dir-lhe-ia que, “se voltar a ser primeiro-ministro, o ambiente tem de ser uma das suas prioridades”.
Ao virar da esquina, os Aliados veem chegar, finalmente, os cartazes e os cânticos que pontuaram a cidade tarde adentro. Lá, a euforia minguou. Sentados no chão, os manifestantes pelo clima olhavam o edifício da Câmara do Porto e ouviam soar uma voz no microfone, qual profeta vinculando a mensagem orgulhosamente: “Somos a primeira geração unida pelo clima”. Cartazes debaixo do braço, a missão de hoje ficou concluída sob a neblina da noite invicta.