Numa entrevista que demora o tempo de beber uma ‘mini’, Carla Jorge de Carvalho faz Pedro Santana Lopes confessar o porquê de ter fundado o Aliança, esclarecer o que une e separa o seu partido dos parceiros à direita, desvendar onde se vai sentar caso seja eleito para a Assembleia da República e relembrar a inspiração do “único ídolo”,  Francisco Sá Carneiro. É o regresso da “Mini Entrevista” do Observador.

Obrigada por esta mini entrevista. Eu vou beber uma ‘mini’, mas o Pedro Santana Lopes não vai, pois não?
Vou beber água. Acho que não devo fazer publicidade a bebidas alcoólicas. Ser fotografado a beber uma, pronto…

Em campanha não se bebe?
Em serviço não se bebe. [risos]

Se me permite, eu vou fazer jus ao nome da nossa ‘mini entrevista’. Vamos conversar no tempo em que bebemos esta garrafa. Estamos aqui num parque em que toda a gente o conhece. Toda a gente sabe que já saiu do PSD?
Quase toda a gente. Não sei se toda a gente sabe que fui eu que recuperei este parque. Com base na filosofia que trouxe por ter estudado em Cambridge quando era miúdo. Olhava, na altura, para aqueles ‘greens’ que eles têm e ficava cheio de inveja, porque quando era miúdo tinha quinze anos, morava nos Olivais, jogávamos à bola e aparecia a polícia que nos levava a bola.

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Estamos no Parque das Conchas, em Lisboa.
Acho que é dos jardins mais bonitos que Lisboa tem.

Sente-se um pouco o pai deste parque?
Sinto, pelo tempo em que fui presidente da Câmara de Lisboa. Adoro vir aqui, estar aqui.

Porque o seu legado é PSD. Já descolou da imagem que construiu ao longo de toda a carreira política, com base nessa experiência?
Encontro muitas pessoas pelo país que ainda não sabem. A grande maioria sabe, mas ainda há um número considerável de pessoas que não sabe. Ou então, de repente e à primeira, diz “o nosso partido”. Depois… “ah, é verdade”. Mas ainda ontem em Setúbal nos cruzámos, estava a Aliança de um lado do mercado e o PSD estava do outro, no mercado. Eles diziam adeus, e eu dizia-lhes adeus. Vieram-me falar. Tratam-me, como é natural, com simpatia e procuro sempre poupar o meu antigo partido. Mas às vezes não posso, tenho de dizer, politicamente, o que penso sobre o que faz.

Mas resolve fundar o Aliança porque os militantes do PSD não lhe deram a presidência?
Não, se fosse por isso já tinha saído antes. Já tinha perdido eleições antes. Achei que era a altura certa na minha vida para lutar por certas ideias que considero certas para Portugal. Tem mais a ver com a questão europeia.

É isso que o separa, principalmente, do PSD?
É. A atitude em Bruxelas. Acho que ao fim de 30 anos continuamos para trás na tabela, estamos cada vez mais na cauda do rendimento per capita. Há qualquer coisa que não bate certo nas políticas que levamos a cabo, e acho que temos de bater o pé de uma maneira diferente em Bruxelas. E o PSD nunca entendeu isso, foi sempre muito ortodoxo.

Não conseguiu convencer os portugueses nas Europeias.
Mas é curioso, porque nas Europeias a minha preocupação foi escolher um candidato credível – o Paulo Sande. E toda a gente reconhece a sua competência e credibilidade. Só que talvez ele seja mais compreensivo e não tenha a mesma tónica que eu coloco nesta questão de bater o pé em Bruxelas. Não tivemos nenhuma divergência. Somos amigos, damo-nos bem.

Ele não foi o candidato que esperava.
Não digo isso. Foi o que esperava, superou e tem excelentes qualidades. Mas o discurso dele é um pouco diferente do meu. Temos que o reconhecer. Contudo, nada põe em causa a comunhão de objetivos. Agora, nas Legislativas, os temas são outros.

Então, nas Legislativas não vai ser tão fraturante em relação ao PSD? O que defende é mais ou menos aquilo que PSD e CDS defendem?
Não. Sou fraturante por uma coisa: a questão da saúde. Entendemos que o Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem de passar a ser pago pelos seguros de saúde. Defendemos o seguro de saúde para todos os portugueses. Para aqueles que não pagam imposto, deve ser o Estado a providenciar o seguro. Os que pagam, devem adquirir o seguro de saúde e deduzir o seu custo na sua declaração fiscal. Fundamental é que as pessoas, mesmo as que não são ricas ou não têm uma vida mais confortável, quando têm um problema de saúde e o SNS não lhes responde possam ir ao privado. Porque há muita gente que não pode.

Não costuma ser ao contrário? Quando há problemas de saúde graves, cujo tratamento é caro, não é aí que se recorre à saúde? Vemos isso no caso de problemas oncológicos.
Sim, os mais caros. Agora, nos cuidados primários, em alguns tratamentos de doenças que não têm essa gravidade, consultas oftamológicas, urológicas, de cardiologia, operações à coluna — sei bem do que falo do meu tempo de provedor da Santa Casa… — são anos de espera.

O que é que pretende fazer, privatizar a ADSE? Abrir a todos os portugueses?
Não é a ADSE. Seguros de saúde privados.

Portanto, a ADSE fica como está ou deixa de existir porque vai dar um seguro de saúde a cada um de nós?
Admito a abertura da ADSE. Mas acho que a ADSE está numa situação tão complicada — e tem, de algum modo, grande ligação ao Estado. Tudo aquilo que é Estado, nós metermo-nos lá dentro acho que é confusão garantida.

Ou seja, nada de financiar o SNS?
Deve ser financiado pelo pagamento dos seguros de saúde. Quando vai ao SNS tem de lhe ser apresentado o custo do serviço que lhe foi prestado. E quem tem de o pagar é o seu seguro de saúde. E não a simples taxa moderadora, de que muitas pessoas também estão isentas.

E os privados teriam interesse em participar nesse financiamento do SNS?
As companhias de seguro? Com certeza. Têm que ter. É também uma questão de negociação. Há 2,5 milhões de portugueses que têm seguro de saúde. É preciso é alargá-lo. Porquê? Porque com o envelhecimento da população não vai haver dinheiro. Hoje em dizia dizemos que o SNS é gratuito. Está bem, pode ser tendencialmente gratuito, mas se não tem resposta… Olhe, há uma pessoa da minha família que tem 30 anos e uma esclerose múltipla, chegou a um grande hospital que não é muito longe daqui, em outubro do ano passado, marcar uma consulta porque estava numa situação grave e marcaram-lhe para abril. Isto é criminoso, não é saúde. Se uma pessoa chega ao hospital com uma doença de coração e só marcam para daí a dois anos, o que é isto?

A solução passa por dar mais espaço às seguradoras?
Aos privados. Ao terceiro setor. O CDS, por exemplo, tem uma proposta que é positiva: diz que quando o SNS não responder, uma pessoa deve poder levar uma credencial e poder ir ao privado.

São propostas que se aproximam.
São passos num bom sentido. E acho que a Aliança já está a dar um passo maior.

Vai um pouco mais além do que PSD e CDS, na maior parte das matérias. Se for eleito, já pensou em que parte do hemiciclo é que se vai sentar? Vai ser entre a bancada do PSD e do CDS?
Acho que é o mais natural.

Não está além do CDS?
Não, isso não estou. Há pessoas do PSD, que já foram membros de Governo na área da saúde, que já escreveram um pouco isto que eu estou a dizer.

Há caminho para uma geringonça à direita? Ainda acredita nisso?
Olhe, eu nunca chamei geringonça à esquerda. Chamei-lhes sempre frente de esquerda.

Uma frente de direita. É uma expressão mais dura…
Acho que é mais bonito. Eu sou um esteta.

Há condições para isso? Há pouco tempo cruzou-se com a campanha do PSD e correu tudo bem…
Depende dos resultados eleitorais. Pelo que as sondagens dizem hoje em dia, é difícil. E isso é uma grande questão: porque é que os outros partidos à direita recusaram uma grande frente de direita? Quando as sondagens têm dado uma vitória larga do PS. Ou seja, na minha interpretação, é porque há quem não se importe com a vitória do PS. Partindo eu do princípio que não querem que o PS fique a governar com a maioria de esquerda, continua, principalmente no maior partido da oposição, a ideia de poder governar com o PS, apesar destas escaramuças todas que têm existido. Porque se não, não faz sentido.

Último gole desta ‘mini’: ainda se sente o grande herdeiro de Francisco Sá Carneiro
Nunca disse isso. É a minha grande referência, mas não me sinto herdeiro.

Ainda é?
Completamente. Não mudou nem uma vírgula. Nunca fui de ídolos, mas é o meu único ídolo, se quiser. Trabalhei com ele quando era muito miúdo, e por isso se calhar me marcou tanto. Para além das qualidades enormes que ele tinha. Foi o único primeiro-ministro, acho eu — se calhar o Dr. Durão Barroso também, que era da minha idade — mas ele não me deixava chamar-lhe primeiro-ministro. Eu tinha 23 anos. Na primeira vez que entrei no gabinete dele e lhe chamei isso, ele pôs-se a olhar para o lado, a brincar comigo. Disse-me “chame-me como sempre me chamou”. E, no entanto, as pessoas diziam que ele era vaidoso, e não era nada. Às vezes as imagens das pessoas são o contrário do que elas são. Mas é a minha grande referência. Era um homem extraordinário. De todos os políticos que conheci, não tem comparação. Tinha uma visão fabulosa.

E acredita que está a tentar manter essa herança com o partido que fundou?
Estou. Se for para a Assembleia, vou lutar pela mudança do sistema eleitoral, da Constituição. Vou tentar criar uma segunda Câmara, reduzindo o número de deputados no global. Hoje em dia, nestas campanhas, não há tempo para falar desses assuntos todos. Tenho de falar só de alguns.

O Observador convidou para as ‘Mini’ Entrevistas os partidos sem representação parlamentar que surgem nas sondagens feitas até ao final da primeira semana de campanha como potenciais estreantes na próxima legislatura.