Foi a ex-mulher quem solicitou uma revisão da regulação das responsabilidades parentais, sob o pretexto de a condição económica dele ter melhorado recentemente. Não era verdade, garantiu ele em tribunal. Tal como não era verdade, como ela o acusava, sem qualquer tipo de prova, que ele deixasse recorrentemente a filha com os avós nos dias em que a ia buscar a casa da mãe.

Quando o juiz proferiu a sentença que o obrigou ao pagamento de uma pensão de alimentos de 450 euros — quando antes pagava 200 —, e lhe reduziu os direitos de visita à filha, proibindo-o de ir buscá-la às terças-feiras à tarde, ficou incrédulo. Em vez de contestar a decisão, contratou nesse mesmo dia um detetive privado. Só depois de ter em seu poder várias provas sobre a relação íntima que a ex-mulher mantinha com o magistrado é que recorreu ao tribunal, a pedir a anulação da decisão, que considerou “absoluta e surpreendentemente injusta”.

A história, contada sem nomes pelo El Español, aconteceu em 2018, algures na província de Ávila, a noroeste de Madrid, mas só agora chegou ao fim. Por decisão do Conselho Geral do Poder Judiciário espanhol (órgão que fiscaliza os tribunais e os juízes), o magistrado foi suspenso do cargo, sem direito a qualquer tipo de remuneração, pelo período de um ano e meio. Todas as decisões que tomou relativamente ao caso foram revogadas pela “ausência de quaisquer provas que as sustentassem”.

Quando contratou o detetive privado para “investigar a ex-mulher, no âmbito da custódia de menores, nomeadamente no que dizia respeito às diligências e cuidados com a menor, ao tempo que a mãe passava com a filha em casa, aos tempos livres e às rotinas e ao tempo que a criança passava na companhia dos avós maternos”, o homem estava longe de imaginar o que iria acontecer.

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Aliás, quando o primeiro relatório do investigador, licenciado pelo Ministério do Interior espanhol, chegou, a dar conta de um homem que “passeava com a queixosa, beijava-a, acompanhava-a à escola da menor, transportava a menor no seu carro, interagia com ela e com os avós maternos (…) situações que não deixam dúvidas sobre a existência de uma relação sentimental, de confiança e criada há tempo suficiente para estar familiarizado e fazer parte do ambiente familiar”, não lhe passou pela cabeça que o juiz estivesse sequer relacionado com o caso. Depois viu as fotografias que o detetive tinha juntado ao processo e compreendeu tudo.

Quando soube que tinha dado entrada no tribunal um pedido da defesa para juntar ao processo o depoimento de um detetive privado que investigara a amante, o juiz terá percebido que podia ser implicado no caso. Ainda assim, só quando, quatro dias mais tarde, o relatório do investigador foi entregue, com uma série de fotografias suas a acompanhar (incluindo uma numa festa, captada no dia em que leu a sentença), é que o juiz decidiu agir.

No mesmo dia, tratou de lavrar um documento a pedir escusa do processo, explicando que “se tinha encontrado várias vezes com a queixosa”, em vários dias de junho de 2018, “para tratar temas relativos ao trabalho sobre violência de género” que tinha vindo a realizar nos últimos tempos. “Embora o pedido de escusa não se justifique pela existência de uma amizade íntima, a verdade é que a minha objetividade pode estar comprometida na hora de decidir sobre o assunto”, concluiu.

Como revela o desfecho do caso, não passou de uma tentativa falhada, que o tribunal de justiça local chamado a decidir sobre o assunto declarou “confusa”. Depois aceitou a escusa, atribuiu o caso a outra magistrada — que anulou todas as decisões anteriores — e abriu o processo disciplinar que agora condenou o juiz a 18 meses de suspensão, sem remuneração.

“É impróprio e humilhante, não só para mim mas também para a Administração da Justiça, (…) que no mesmo dia em que se conheceu o auto, posteriormente declarado nulo, que limitava os meus direitos e os da minha filha, o magistrado que o assinou tenha estado numa reunião social com a queixosa, a posarem felizes perante as câmaras, sem se importarem com os danos que estavam a causar, a mim e à minha filha, privando-a do seu direito de estar comigo”, acusou o homem, na denúncia que apresentou.