A ronda está completa. Paris, a última das grandes semanas da moda chegou ao fim esta terça-feira, após dezenas de desfiles, entre eles, os das grandes maisons. É certo que nem só de moda francesa vive este calendário. Off-White, Loewe, Vivienne Westwood, Elie Saab, Valentino, Stella McCartney, Dries van Noten (que contou com a colaboração de Christian Lacroix) Miu Miu e Alexander McQueen são já nomes fortes da cidade luz, ao lado de insígnias como Rochas, Chloé, Nina Ricci, Celine, Hermès e Comme des Garçons. No rescaldo, sobressaem os momentos e as criações que marcaram a semana mais importante do ano na capital da moda.

Maria Grazia Chiuri continua a desbravar terreno dentro de uma das casas mais históricas de Paris, ora desconstruindo, ora preservando a silhueta clássica eternizada pelo senhor Dior. Nas propostas para o próximo verão, e à semelhança do que fez na última coleção cruise, a aposta foi no sentido das colaborações improváveis, bem como das artes manuais. A botânica esteve no centro das criações de pronto-a-vestir e do próprio desfile.

Desfile da Dior © Peter White/Getty Images

“Christian Dior adorava jardins. As flores fazem parte do legado Dior. Mas hoje, quando olho para as flores e para os jardins, não vejo apenas alegria ou beleza natural. Vejo todas preocupações em torno do nosso futuro e a necessidade de agir”, afirmou a designer italiana ao The Guardian, antes do desfile começar, no dia 24 de setembro. No total, fizeram parte do cenário 164 árvores, fruto de uma parceria com o coletivo de paisagismo Coloco. Após a apresentação, os espécimes foram cedidos a espaços verdes urbanos da região.

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No centro do moodboard esteve Catherine Dior, irmã do emblemático criador e também ela uma aficionada da botânica. O seu look de jardinagem, com calças e camisas de corte masculino, pontuou o desfile, embora esta não tenha sido a única mulher a inspirar Chiuri. Diretamente dos arquivos de Maria Sybilla Merian, botânica alemã do século XVII, as papoilas, as rosas, os cardos e outras flores silvestres saltaram à vista na coleção, quer na forma de estampados artesanais, quer através de bordados, especialmente românticos quando aplicados a vestidos longos e vaporosos. O crochet e o trabalho em ráfia enriqueceram o painel de texturas. Também na primeira fila, uma seleção de luxo. Jennifer Lawrence, Julianne Moore, Isabele Huppert e Monica Bellucci sentaram-se lado a lado. A fashion week tinha acabado de começar, mas, no que toca a divas do cinema, o quarteto já estava no topo.

Naomi Campbell a fechar o desfile da Saint Laurent © Pascal Le Segretain/Getty Images

No mesmo dia em que a Dior marcou o arranque do calendário, foi a Saint Laurent quem abrilhantou a noite parisiense com um espetáculo de luz a céu aberto. Apesar das condições meteorológicas adversas, Anthony Vaccarello rumou ao seu palco favorito, o Trocadéro (vou vista para a Torre Eiffel), e fez desfilar uma coleção de reatualizações. Os blazers, casacos e coletes eximiamente cortados e os calções curtos foram a parelha da noite. Daí, Vaccarello evoluiu para o registo hippie glamoroso celebrizado por Yves Saint Laurent na década de 70, onde as blusas e vestidos em chiffon prometeram um verão romântico, ainda que invariavelmente escuro. No final, o banho de lantejoulas negras culminou na chegada de uma convidada especial. Aos 49 nos, Naomi Campbell prendeu a atenção de todos com um tuxedo preto em lantejoulas.

Para John Galliano, atual diretor criativo da Maison Margiela, passar despercebido é uma daquelas impossibilidades certas. O desfile da marca entrou diretamente para a lista de momentos altos da semana da moda, mas não propriamente pela coleção apresentada, que recuperou silhuetas militarizadas, de ombros largos e cheias de rigidez. O modelo alemão Leon Dame assumiu rapidamente o estatuto de estrela, com uma passagem pela passerelle da Margiela destinada, desde início, a tornar-se viral. O desfilar desengonçado e furioso do manequim foi pensado ao detalhe para encerrar a apresentação. Aos 20 anos, Dame foi selecionado pelo próprio Galliano e treinado por Pat Boguslawski. A internet não poupou nos memes, Anna Wintour terá esboçado um sorriso na primeira fila e Rihanna começou a seguir o jovem modelo no Instagram. Nada mal.

Cardi B num look Richard Quinn, durante a Semana da Moda de Paris © Instagram.com/dreems.nyc

Foram oito dias intensos, também fora das passerelles das grandes maisons. Cardi B foi uma das estrelas internacionais a dar um ar da sua graça em Paris, da primeira fila dos desfiles (Chanel incluída) aos jardins da Torre Eiffel onde a rapper passeou absolutamente irreconhecível com um look do londrino Richard Quinn. Tal como já tinha acontecido em Nova Iorque, a marca Lulu et Gigi contou com Daisy May a desfilar, uma menina de nove anos com ambas as pernas amputadas.

Daisy May, a menina de 9 anos que, depois de Nova Iorque, voltou a desfilar pela marca Lulu et Gigi, em Paris

No último sábado, a Issey Miyake proporcionou um desfile futurista e performático que marcou a agenda. Do teto, desceram aros circulares que vestiram as manequins estrategicamente posicionadas. Estas só tiveram de levantar os braços para que os vestidos plissados lhes caíssem pelo corpo. A apresentação incluiu ainda manequins em cima de skates e uma linha de longos casacos que, quando fechados, cobriram quase totalmente o rosto das modelos.

No mesmo dia, a Balmain apresentou um verão de cores enérgicas, assimetrias e ombros poderosos em contraste com linhas de decote rebaixadas e presas por alças finas. “Own who you are” — o mote surgiu numa t-shirt no início do desfile, certamente consequência de uma reflexão pessoal do diretor criativo da marca. A vida de Oliver Rousteing foi, recentemente, contada através de um documentário, “Wonder Boy”, onde o criador revela ter chegado à sua ascendência totalmente africana. A descoberta trouxe novos motivos para a passerelle, mas também uma dimensão pessoal raramente mostrada pelo criador. Aos 34 anos, Rousteing fez do momento uma viagem no tempo através de uma banda sonora à base de Britney Spears, Christina Aguilera e Destiny’s Child. Na verdade, só faltou Kylie Jenner, a suposta estrela do desfile. Ao que parece, com o cancelamento da viagem para Paris à última da hora, a socialite e empresária norte-americana fez com que o caos de instalasse nos bastidores.

Desfile da Balmain © Peter White/Getty Images

No desfile da Balenciaga, Demna Gvasalia voltou ao que de melhor sabe fazer — apropriar-se do mais banal vestuário do quotidiano (com um especial carinho por uniformes e fardas) e fazer das peças verdadeiros hits de street style. Quanto ao cenário, mais político era impossível. Com um azul profundo o chão e as paredes de um recinto circular, o objetivo foi remeter para o Parlamento Europeu. Dos ombros aumentados aos mini vestidos justos, passando pelos uniformes dos trabalhadores da SNCF, companhia ferroviária francesa, de certa forma, o próximo verão é um upgrade no guarda-roupa institucional e burocrata. Para o final, a marca guardou um conjunto de amplos vestidos de baile.

Desfile da Chanel © Victor Boyko/Getty Images

No último dia da Semana da Moda de Paris, a Chanel levou os convidados até aos emblemáticos telhados parisienses. Dentro do Grand Palais, o cenário, que se estendeu por mais de 330 metros, voltou a deixar a assistência rendida. Entre chaminés e águas furtadas cobertas de zinco, Virginie Viard simplificou coordenados — menos camadas, menos acessórios, calças de ganga, cinturas cá em cima e ainda uma clara subida das bainhas, com vestidos, saias e calções posicionados bem acima do joelho. Os pés bem assentes na terra continuam a ser uma das grandes virtudes da designer que substituiu Karl Lagerfeld no início do ano. O desfile ficou ainda marcado pela presença de uma intrusa na passerelle. A comediante Marie Benoliele juntou-se à volta final, mas Gigi Hadid mostrou-lhe a saída.

Género, sustentabilidade e gentrificação. As reflexões de três criadores portugueses em Paris

Coube à Louis Vuitton de Nicolas Ghesquière encerrar o calendário (não oficialmente, mas a marca foi o último grande nome a desfilar). No Louvre, o desfile ficou marcado pelo seu pano de fundo. Numa parede colossal, interrompida apenas pela abertura que possibilitava a entrada das modelos, foi projetada uma performance da escocesa Sophie, por sinal, a primeira mulher transgénero a estar nomeada para um Grammy. A mensagem de diversidade e inclusão foi passada, bem como a invulgar viagem do diretor criativo ao passado. Conhecido pela abordagem futurista, desta vez, Ghesquière retrocedeu no tempo, mais precisamente até ao período da Belle Époque.

Desfile da Louis Vuitton © Pascal Le Segretain/Getty Images

“É uma parte da história francesa muito interessante no que toca à arte, mas também a nível cultural, com a emancipação das mulheres e, claro, na literatura, com Proust”, explicou à Vogue. Silhuetas bem cintadas, ombros altivos e mangas volumosas, marcaram uma coleção especialmente datada e exuberante em cores e padrões. Mas não foram apenas a transição entre os séculos XIX e XX a influenciar o criador. Pelo meio, referências dos anos 70 assinalaram looks com um toque boémio.

A Semana da Moda de Paris encerrou o circuito pelas quatro principais passerelles mundiais. Na fotogaleria, veja as imagens de alguns dos desfiles que marcaram o calendário parisiense.