O arcebispo e poeta português José Tolentino Mendonça foi este sábado elevado a cardeal pelo Papa Francisco, durante um consistório na basílica de São Pedro, no Vaticano. Tolentino Mendonça, atual responsável pela Biblioteca Apostólica e pelo Arquivo Secreto do Vaticano, foi o segundo dos 13 novos cardeais a ser chamado pelo Papa para se aproximar do altar principal da basílica e receber das mãos do pontífice o barrete vermelho e o anel cardinalício — às 15h27 —, minutos depois de ter ouvido do Papa Francisco um discurso sobre a misericórdia e contra as deslealdades provocadas pelo “hábito da indiferença”.
A celebração, que durou cerca de uma hora, teve como ponto alto a entrega dos barretes e dos anéis aos novos cardeais, cujos nomes haviam sido anunciados no início de setembro. Antes, o Papa Francisco tinha feito uma homilia na qual salientou que os líderes religiosos não podem demitir-se da responsabilidade que têm relativamente aos sofrimentos dos mais pobres. A partir de uma leitura bíblica (do Evangelho segundo São Marcos), o Papa Francisco debruçou-se no primeiro discurso aos novos cardeais sobre o tema da misericórdia e da compaixão.
“Muitas vezes, os discípulos de Jesus dão provas de não sentir compaixão”, afirmou o Papa Francisco “Basicamente dizem: ‘Que se arranjem!‘ É uma atitude comum entre nós, seres humanos, mesmo em pessoas religiosos ou até ligadas ao culto. A função que desempenhamos não basta para nos fazer compassivos, como demonstra o comportamento do sacerdote e do levita que, vendo um homem moribundo na beira da estrada, passaram ao largo. Terão dito para consigo: ‘Não é da minha competência‘. Há sempre justificações”, alertou o líder da Igreja Católica, antes de se dirigir diretamente aos cardeais, pedindo-lhes que não tenham estes comportamentos.
“Dirijo-me em particular a vós, irmãos já Cardeais ou próximo a sê-lo: está viva em vós esta consciência? A consciência de ter sido e continuar a ser incessantemente precedidos e acompanhados pela sua misericórdia?”, questionou Francisco. “É um requisito essencial. Se não me sinto objeto da compaixão de Deus, não compreendo o seu amor. Não é uma realidade que se possa explicar. Ou a sinto, ou não. E, se não a sinto, como posso comunicá-la, testemunhá-la, dá-la? Concretamente: Tenho compaixão pelo irmão tal, pelo bispo tal, pelo padre tal? Ou sempre destruo com a minha atitude de condenação, de indiferença?”
O Papa Francisco alertou ainda para as hipocrisias entre os próprios homens da Igreja. “Desta consciência viva depende também a capacidade de ser leal no próprio ministério. Vale também para vós, irmãos Cardeais. A disponibilidade de um Purpurado para dar o seu próprio sangue – significado na cor vermelha das suas vestes – é certa, quando está enraizada nesta consciência de ter recebido compaixão e na capacidade de ter compaixão. Caso contrário, não se pode ser leal. Muitos comportamentos desleais de homens de Igreja dependem da falta deste sentimento da compaixão recebida e do hábito de passar ao largo, do hábito da indiferença“, afirmou o pontífice.
Com a nomeação cardinalícia concretizada neste sábado, José Tolentino Mendonça é agora o sexto português a ser elevado a cardeal no século XXI e o terceiro a ser nomeado pelo Papa Francisco. Em simultâneo, esta nomeação dá a Portugal um peso inédito num eventual conclave que se venha a realizar nos próximos anos, passando o país a contar com três cardeais eleitores — D. José Tolentino Mendonça, D. Manuel Clemente (patriarca de Lisboa) e ainda D. António Marto (bispo de Leiria-Fátima).
Como todos os cardeais, D. José Tolentino Mendonça recebeu também a tutela simbólica de uma igreja de Roma (porque os cardeais são considerados o clero direto do Papa, ou seja, como se fossem os ‘padres’ da diocese de Roma). O novo cardeal português ficará com o título de cardeal-diácono e tutelará a igreja de São Jerónimo da Caridade, que fica na Via Júlia, em Roma, muito perto do Campo dei Fiori.
De padre a cardeal em menos de dois anos
A nomeação de Tolentino Mendonça como cardeal é o culminar de um percurso de subida em flecha na hierarquia da Igreja que durou menos de dois anos e que começou com a escolha do padre e poeta português para orientar, em fevereiro de 2018, o retiro de Quaresma do Papa Francisco e da Cúria Romana. Na altura, o convite pessoal do Papa surgiu na sequência do trabalho de Tolentino Mendonça na academia e na área da cultura. Porém, as meditações do português agradaram tanto ao Papa Francisco que, em poucos meses, Tolentino recebeu um novo telefonema: iria mudar-se para Roma e assumir a tutela da Biblioteca Apostólica e do Arquivo Secreto do Vaticano.
Com essa nomeação, chegou também a elevação ao episcopado. Em julho do ano passado, foi ordenado bispo pelo cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, numa celebração no Mosteiro dos Jerónimos que contou com a presença do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Na altura, garantiu que independentemente das promoções, continuava a ser um poeta. “Para mim não há diferença entre uma biblioteca e um jardim”, assumia. Já em setembro deste ano, chegou a última novidade: o Papa Francisco escolhera-o para integrar o colégio dos cardeais.
Aos 53 anos, D. José Tolentino Mendonça passa a ser o segundo mais novo do colégio cardinalício, ficando apenas atrás de Dieudonné, arcebispo de Bangui, na República Centro-Africana — e não escasseiam as vozes que o apontam como um próximo futuro Papa.
Um dia no Vaticano com Tolentino Mendonça, o bibliotecário e arquivista do Papa
Durante o primeiro ano à frente da Biblioteca Apostólica e do Arquivo Secreto do Vaticano, Tolentino Mendonça tem dado continuidade ao trabalho daquela instituição histórica no âmbito do estudo, catalogação e restauro de milhões de documentos fundamentais para a história da Humanidade. “É impossível contar a história da Europa, a aventura que foi fundar a Europa Moderna, desde a Idade Média… digamos, até à Revolução Francesa… Sim, é impossível ‘contá-la’ sem passar pelo Arquivo Secreto”, contava Tolentino Mendonça numa entrevista ao Observador no interior da biblioteca.
Com a nomeação para cardeal, junta-se às tarefas que Tolentino já tem enquanto bibliotecário e arquivista do Papa a responsabilidade de aconselhar o líder da Igreja Católica em todos os assuntos relacionados com o governo da Igreja e, sobretudo, a tarefa de votar na eleição de um futuro Papa. Isto porque os cardeais são um conjunto de membros do clero que o Papa chama para fazerem parte de um colégio muito particular, descendente do antigo clero de Roma, que tem a responsabilidade de — tal como os padres ajudam os bispos das suas dioceses — ajudar o Papa na liderança da Igreja universal.
É ainda sobre os cardeais que cai a responsabilidade de gerir a Igreja durante os períodos de sede vacante, ou seja, após a morte ou resignação do Papa. E são eles que têm de organizar o conclave, o momento da eleição do novo Papa. Os consistórios são as reuniões periódicas para as quais todos os cardeais do mundo são chamados a Roma — e, como é o caso do deste sábado, podem servir para a criação de novos cardeais. O último consistório público para a criação de novos cardeais tinha ocorrido em 29 de junho de 2018 e incluído o cardeal D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima.
Marcelo, ausente, envia “cumprimento caloroso e amigo”
Já depois da elevação de Tolentino Mendonça a cardeal, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, publicou uma mensagem de saudação ao novo cardeal. “Como escrevi no dia em que foi conhecida a escolha de D. José Tolentino Mendonça para Cardeal, essa honra traduz ‘o reconhecimento de uma personalidade ímpar, assim como da presença da Igreja Católica na nossa sociedade, o que muito prestigia Portugal'”, escreveu Marcelo
“Gostaria de estar presente no consistório em que recebe os sinais da sua nova condição, mas na impossibilidade de o fazer, envio ao novo Cardeal um cumprimento caloroso e amigo e os desejos de que continue a ser uma referência para tantos, católicos ou não, que lhe reconhecem o valor cultural e humano de quem é, como o próprio se definiu, ‘um facilitador de encontros'”, acrescentou.
Marcelo Rebelo de Sousa ainda chegou a ter viagem marcada para Roma para este fim de semana, mas acabou por não se deslocar ao Vaticano devido à morte do fundador do CDS, Diogo Freitas do Amaral, cujo funeral se realizou neste sábado.
“Convidado para ser o Presidente das comemorações do próximo Dia de Portugal, D. José Tolentino de Mendonça é um exemplo que alguém que procura ir mais longe e, ao mesmo tempo, estar com todos. Por isso o programa que define para si próprio – ‘Sentir a cada dia o apelo a ir mais longe, a baixar mais as defesas, a estar menos nos nossos obstáculos, na autorreferencialidade que muitas vezes nos enclaustra, e deixar-se ir atrás’ daquilo em que acredita – pode ser também um caminho para cada um e para todos nós como comunidade”, conclui o Presidente da República.