São dois os aspetos que destacaram Ginger Baker, tanto dentro como fora do palco — o controlo das baquetas e a atitude que, entre outras repercussões, levou ao fim dos Cream em 1968. Uma curta mas impactante carreira em conjunto que catapultou o seu nome, bem como o de Eric Clapton e Jack Bruce para as bocas do mundo, e que deixou os Cream como um dos grupos mais marcantes do rock n’roll. Baker morreu no passado sábado com 80 anos e foi uma das razões desse sucesso.

Durante dois anos dividiu a secção rítmica dos Cream com Jack Bruce, com quem se deu mal praticamente desde o início. Foram vários os arrufos que levaram os dois a cortar relações e a insultarem-se mutuamente durante anos na comunicação social culminando em Ginger Baker a abandonar o concerto de homenagem a Bruce aquando da sua morte, em 25 de outubro de 2015. “Sunshine of Your Love”, um dos maiores êxitos da banda tocava há quase um minuto e meio quando o baterista decidiu parar de tocar. Levantou-se, saiu do palco e abandonou o recinto em pleno concerto sem se despedir de ninguém. Por sorte, ou talvez não, Eric Clapton tinha decidido que seriam dois bateristas em simultâneo a tocar o tema forte da banda, que continuou com uma secção de percussão a meio gás, menos forte, mas como fora originalmente desenhada.

Este é apenas um dos exemplos de mau feitio de um dos maiores génios de sempre da bateria, que levou uma vida marcada pelo consumo de drogas, relacionamentos falhados e projetos musicais que terminaram em tumulto. Ainda antes da fama teve vários problemas enquanto músico de jazz por “tocar com demasiada força”, segundo o ABC. Esta foi uma das razões pela qual abandonou o género e se dedicou ao rock psicadélico dos anos 60, mudança que parecia ter atenuado o temperamento irascível.

Baterista poderoso, cofundador dos Cream: morreu Ginger Baker

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Apesar de uma personalidade conflituosa, Baker tinha faro para o sucesso, e depois do fim dos Cream colou-se a Eric Clapton e insinuou-se no seu novo projeto que, após alguma resistência, o acolheu no lugar de Jim Capaldi — nome originalmente escolhido para ocupar o banco atrás da bateria. Segundo o guitarrista lendário, Clapton e Winwood estavam a fumar marijuana tranquilamente enquanto delineavam os últimos contornos do novo grupo. Foi quando o ex-colega bateu à porta e entrou. “Soube o que estávamos a planear e quis subir para o comboio”, disse Clapton em entrevista alguns anos depois. Estavam assim formados os Blind Faith com Steve Winwood no baixo, Clapton na guitarra e Baker na bateria.

Já nesta altura Winwood estava ciente do problema do novo companheiro de banda com drogas mais pesadas, mas nunca pensou que o colega pudesse ser tão destrutivo. As coisas começaram a piorar durante um tour pela América, em que o baterista enveredava várias vezes por solos sem que os restantes membros da banda estivessem à espera. Quando confrontado disse, “Sempre incluí o meu ego na minha forma de tocar, mas nunca fui egoísta”. Era o fim de mais uma banda histórica.

Mas as discussões e desentendimentos de Baker não se contam pelos dedos de uma mão, e muito menos se cingem a companheiros de projeto ou a músicos de menos visibilidade. Uma vez chamou a Mick Jagger (Rolling Stones) de “idiota musical” e um dia, cansado de atirar baquetas, chegou mesmo a ameaçar Jack Bruce com uma faca durante uma atuação em Graham Bond Organisation. O desentendimento foi um dos principais incidentes que levou à desistência do baixista e consequente final dos Cream.

Na verdade, a carreira de Baker na bateria começou quando aos 16 anos foi acolhido por Phil Seamen como seu mentorado. Segundo o The Guardian, quando se sentou pela primeira vez à bateria, sem saber tocar, um dos músicos na sala disse, “temos baterista!”, Baker pensou “sou um baterista!” Seamen era à altura um dos mais importantes músicos de jazz britânicos e acabou também por se tornar na pessoa que introduziu o ainda jovem Ginger Baker à heroína, hoje tida como a principal causa dos seus problemas de temperamento.

A vida de Baker deu um dura volta, quando em 1969 os Blind Faith viram o fim. Mudou-se para a Nigéria onde conheceu uma incontornável figura da música do mundo — Fela Kuti, um dos nomes proeminentes do afro-jazz. Aqui os seus problemas com a droga pioraram e, nos anos 80, depois de um investimento falhado num estúdio de gravação em Laos, teve de se mudar para Los Angeles.

Baker conseguiu ainda assim vislumbrar o sucesso com os seus próprios Ginger Baker’s Air Force (1979-1981) e o grupo de hard-rock Masters of Reality — uma oportunidade para praticar o seu estilo exuberante à bateria, mas onde também não conseguiu ficar muito tempo, talvez pelo choque com o vocalista e líder do grupo Chris Goss, que afirmou uma vez que, “Masters of Reality será sempre um projeto com um alinhamento rotativo. Não consigo tocar com pessoas que estão numa banda só para dizer que estão numa banda”.

No final dos anos 90 mudou-se de novo para África, onde se instalou num rancho na África do Sul, isolado e viciado em heroína. Segundo a Rolling Stone, Baker teria companhia de várias mulheres recorrentemente, e na sua propriedade constava um papel onde podia ler-se “Beware of Mr. Baker” (cuidado com o senhor Baker). O ABC brinca: “Convertera-se decididamente num cão raivoso”.

Foi um músico com uma vida pessoal não menos atribulada que a profissional, com quatro casamentos falhados e três filhos. Mesmo assim, é ainda hoje um ídolo para milhares de bateristas no mundo, pela sua técnica e estilo de baqueta nas mãos, entre eles Alex Van Halen (Van Halen). Não deixou muitos amigos no mundo do rock, mas apesar de tudo teve em Eric Clapton alguém que o ajudou tanto a nível profissional como pessoal, recebendo-o nas suas bandas e chegando mesmo a emprestar-lhe dinheiro já numa fase final da vida de Baker.