Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente da República, foi entrevistado por Daniel Oliveira no programa “Alta Definição”. Em pouco mais de uma hora, olhou para os últimos quatro anos da sua presidência e falou dos afetos, de como continua a ir ao supermercado, dos anos difíceis marcados pelos problemas na banca e dos incêndios de Pedrógão, a relação com o primeiro-ministro e com líderes internacionais como Donald Trump, a Rainha Isabel II ou Angela Merkel. Antes da resposta à pergunta da praxe — “o que dizem os seus olhos?” — falou também do cateterismo que pode ser crucial para o seu futuro.

A ponta do véu foi levantada esta quinta-feira, quando uma das principais confissões do chefe de Estado durante este encontro veio a público. Marcelo admitiu sofrer um doença cardíaca, que vai exigir intervenção a breve trecho, e que deverá pesar na sua decisão sobre a recandidatura às próximas eleições presidenciais.

Cansaço, falta de ar ou dor no peito. Em que consiste o problema cardíaco do Presidente?

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Segue o principal da entrevista de Marcelo no Alta Definição onde ficou de voltar “daqui a 10 anos”.

Sobre o estilo do “presidente dos afetos”

“Para ser justo, todos os presidentes foram presidentes de afetos”. Marcelo Rebelo de Sousa, que pautou a sua campanha presidencial por este lema, afasta grandes originalidades, sublinhando idênticas qualidades nos seus antecessores. “O presidente Eanes era distante mas afetuoso, Soares era um extrovertido muito afetuoso, Sampaio era de uma sensibilidade extrema e o presidente Cavaco Silva também, que ficou com a imagem austera do primeiro-ministro”.

Sobre o seu registo pessoal, Marcelo admite que “aos 70 anos ninguém muda” e que se viu forçado a “fazer uma escolha” quando foi eleito, tendo optado por manter a toada, ciente de que que “quem mudou de perfil” não conseguiu continuar no cargo, sem que este perfil . “O peso do cargo está sempre comigo. Parece que não está porque tenho este ar extrovertido, mas estou sempre a pensar que sou Presidente da República. Estou atento a tudo o que diga e que faça tenha o peso do Estado. Faço-o com o meu estilo. É leve de mais? É como é”. O empenho na missão de um mandato dos afetos é para ser “ao longo de 5 anos”, deixando já a promessa de que não vai mudar o estilo se se recandidatar.

Das idas ao supermercado ao ar condicionado inimigo de rinosinusites: o antes e o depois do cargo de PR

Mas o que mudou na vida do Presidente Marcelo assim que tomou posse? “Falta de tempo para estar com família e amigos antigos”, desabafa. Além disso, outros passatempos, como a natação, têm sido “mantidos a custo”. “Nadava todos os dias, agora nado quando posso, nado a cinco minutos de casa”. Estes inconvenientes na sua rotina, admite, passam também por todas as medidas de segurança que lhe são “desconfortáveis”.

Mesmo assim, conta histórias de como os seus segurança se adaptaram a estas necessidades: “Por natureza o corpo de natureza funciona em terra. tiveram de melhorar as suas competências de natação”, uma história que tem contado até a estrelas de cinema como Alec Baldwin.

Vou ao hipermercado ou supermercado, gosto de ser eu a fazer as minhas compras, a comprar comida para as poucas vezes que estou a comer em casa”, diz Marcelo.

“Em três semanas durmo em casa três dias ou quatro dias”, continuou, mas continua a querer manter hábitos que já tinha como cidadão. “Tento manter conversas com os pescadores junto à praia, manter os hábitos onde compro coisas. Tento manter o que posso da minha vida, mas se colidir com um compromisso imperativo é sacrificado imediatamente. Todos as noites passeio quatro quilómetros depois de jantar onde quer que esteja. Se estou em Pequim, passeio em Pequim. É uma perturbação para a segurança, mas vou”.

Com este estilo mais extrovertido e afetuoso tem criado problemas às equipas de segurança, admite. Enquanto os segurança fazem uma espécie de gaiola de proteção para proteger o Presidente, este tem um jogo para poder continuar a tirar selfies ou dar abraços: “O meu jogo preferido é furar a gaiola”, diz entre risos.

Contudo, apesar de os seus seguranças não terem uma vida facilitada a manter o presidente seguro, Marcelo afirma que também faz cedências, como por exemplo,quando anda de carro. Por norma, gosta de andar com janelas abertas, mas tem dois motoristas “gordinhos” que preferem o ar condicionado. Com as dores da sua “rinosinusite” sofre imenso por causa disso, disse, gracejando.

Quanto a hábitos mais comuns dos tempos atuais, o presidente admite que não tem Netflix porque “tem resistido a isso”. Contudo, revela que vê as séries do serviço de subscrição “através de pessoas amigas”. Já quanto às redes sociais, não tem Facebook e frequenta-as “limitadamente”.

Relativamente a irritar-se, assume que “raramente” perde a calma. No entanto, “quando perco, confesso que sou irritante”.

Da banca a Pedrógão, os anos mais duros da presidência e os momentos-chave na alegria

Num dos momentos mais emotivos da entrevista, o chefe de estado assinala 2016 como um dos anos que mais lhe roubou o sono, pelos problemas na banca — “houve noites em que não dormi” — e demora-se em 2017, ano dos violentos incêndios no centro do país. “Foi o período mais difícil”, resume, lembrando como os afetos, mais uma vez, e a o efeito de proximidade, tiveram especial peso (e como liga aos presidentes da Câmara sempre que há um incêndio). “Entendi que a função do presidente não é tratar da parte executiva, mas tratar da parte da proximidade dos cidadãos que estão a viver este momento”, disse ainda.

Quanto a momentos de alegria que marcaram a presidência até agora, uma pausa inevitável na vitória, também em 2016, no Euro 2016, cuja festa passou pelo Palácio de Belém — “foi a histeria quando Ronaldo levantou a taça” — a vinda do Papa, os dois novos santos portugueses, e as celebrações do 10 de junho.

Marcelo sobre Tancos: “Joana Marques Vidal foi de uma lealdade institucional total”

As críticas e a relação com António Costa, entre os altos e baixos de otimismo.

“Passei a vida a criticar as outras pessoas enquanto comentador, era o que faltava que não aceitasse as críticas que me fazem”, admite Marcelo, confessando ainda alguns excessos enquanto desempenhou essa função. “Reconheço que fui muitas vezes agressivo. Achava que era um comentador razoavelmente bem informado. Ao exercer este cargo, percebo que há um volume de informação que o presidente tem, que o primeiro ministro, (…) que um comentador não tem”.

Quanto à relação com o primeiro-ministro, seu antigo aluno, e que chegou a arrancar 17 valores do então professor Marcelo Rebelo de Sousa, e o seu “otimismo crónico quase irritante”, nas palavras de Daniel Oliveira, diz que “isso é uma maneira de ser dele”. “Foi sempre assim, e é uma maneira de ser minha baixar as expectativas. O primeiro-ministro tende, em muitos casos, a elevar expectativas. Acha que as coisas se compõem”, disse.

A saúde do hipocondríaco com “fama e muito proveito” e os planos para depois

Uma pausa no boletim clínico para recuperar a hérnia umbilical que lhe deu dores de cabeça em 2017 e o já revelado problema cardíaco que vem de família. Quantos aos planos quando abandonar de vez as funções de presidente, não faltam ideias na lista. “A idade é diferente, o país será muito diferente, mas tenho em comum dar muito mais tempo à família, recuperar alguns projetos que tinha em mente do que queria ainda escrever, que não memórias, viajar. Tenho uma ideia fixa que é voltar ao voluntariado em cuidados paliativos”, descreve, adiantando ainda que já cortou “pontos na agenda” para estar com Francisco, o seu “neto preferido” e afilhado, de 16 anos, que chega em breve do Brasil para passar um ano de preparação antes da faculdade, e que lhe dá vários conselhos políticos.

“Costumo dizer, e peço desculpa às minhas netas, mas é o meu neto preferido, chama-se Francisco, é o meu afilhado, e esse é o meu álibi para dizer que é o meu neto preferido. Ele é sensacional, é um analista político nato. Quando foi a minha eleição presidencial foi o único conselheiro que ouvi efetivamente. Então, ele dava-me o seguinte conselho para os debates: o avô faça de morto. São muitos candidatos. Faça de morto, com simpatia, com calma, deixe-os bater, é natural, vai à frente nas sondagens e tal. Até que um dia disse, já está a fazer de morto demasiado.  Agora tem de bater”, para não perder eleitorado à direita”

Da convicção de Merkel à alegria por Guterres

Várias figuras merecem destaque ao longo desta caminhada, como António Guterres. “Se Guterres tem sido candidato há quatro anos provavelmente entenderia que o meu dever moral [para me candidatar] não era tão imperativo assim”. E voltou ainda a falar do antigo amigo de longa data — com quem não concorda em tudo — relembrando no entando a “imensa alegria” que foi estar na tomada de posse do antigo primeiro-ministro socialista quando este se estreou secretário-geral das Nações Unidas.

Sobre o número de telefone da pessoa mais poderosa que tem no telemóvel, não revelou nomes, mas partilhou alguns contactos influentes aos longos destes anos. “Impressionou-me muito a senhora Merkel, as suas opiniões políticas são morais, tem convicções, que poucos líderes já tem”. Além disso, falou de Mario Draghi que “salvou a Europa num momento muito difícil”, da rainha do Reino Unido, que é “espetacular”, e de Fidel Castro. Sobre o antigo líder de Cuba e cara da revolução comunista no país, contou que lhe perguntou pelo momento mais feliz e qual o era a principal qualidade do ditador. Momento feliz foi “entrar em Havana naquele fim de ano, que tinha sido o momento heróico”. Já a principal qualidade, “foi ter sorte”, porque escapou a vários atentados.

Havendo tempo para recordar os momentos com o antigo presidente dos EUA Barack Obama, falou também sobre o atual líder norte-americano, Donald Trump, e do encontro que tiveram na Casa Branca que envolveu relembrar as lições de artes marciais. “Há um presidente Trump quando não está a falar para comunicação social, quando não tem público, e outro (em privado)”, assumiu. Antes de entrar na Sala Oval, avisaram-no do teste de Trump com os apertos de mão em que mede forças com quem está do outro lado: “Fiz aikido, antes de Trump me puxar, puxei-o eu”, diz.

A terminar, a resposta à pergunta inevitável: o que dizem os olhos de Marcelo? “Os meus olhos dizem que os portugueses são excecionais (…) conseguem todos os dias fazer omeletes sem ovos e sopa de pedra”.