A associação Mães de Srebrenica, que reúne os descendentes das vítimas do massacre de Srebrenica, que aconteceu em julho 1995, durante a Guerra da Bósnia, querem que a decisão de entregar o Prémio Nobel da Literatura a Peter Handke seja revogada. Em causa estão as ligações do escritor austríaco, de ascendência serva, ao regime de Slobodan Milosevic, ex-presidente da Sérvia e antiga Jugoslávia, que ajudou a financiar a guerra. Handke terá também negado o genocídio de cerca de oito mil bósnios na localidade de Srebrenica.

Contactada pela Al Jazeera, Munira Subasic, presidente da Mães de Srebrenica, declarou que os membros da associação estão ofendidos por um homem que “espalhou o ódio e escreveu falsidades” ter recebido o mais importante prémio literário. “Milosevic era o seu ídolo, Milosevic que ficou para a história como o carniceiro do século XX, que deu luz verde para que o genocídio continuasse”, disse.

Não é certo que tipo de relacionamento teria Peter Handke com Milosevic, mas é certo que o escritor sempre tentou afastar as acusações mais graves que eram dirigidas ao homem que ficou conhecido como o “carniceiro dos Balcãs”. Numa entrevista, chegou a dizer que era excessivo chamar ao ex-presidente “tirano”.

Academia prometeu, mas não cumpriu: Nobel da Literatura continua europeu e branco

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A sua conivência com o regime de Slobodan Milosevic parece ter sido pelo menos suficiente para que o sérvio lhe pedisse para depor em seu favor durante o seu julgamento no Tribunal Criminal Internacional da antiga Jugoslávia. O escritor recusou, mas assistiu às sessões judiciais como espectador. Quando Milosevic morreu, Handke participou e discursou no seu funeral, num dos episódios mais controversos da sua vida.

“Que tipo de mensagem é esta? Estão a tentar passar a mensagem de que o Prémio Nobel é atribuído àqueles que apoiam os que matam muçulmanos no final do século XX? O mundo é assim tão injusto?”, questionou Munira Subasic. Handke terá  sugerido que os muçulmanos em Saravejo se massacravam regularmente a si próprios e que depois culpavam os sérvios.

A presidente da Mães de Srebrenica não foi a única a mostrar o seu descontentamento face à entrega do Prémio Nobel da Literatura a Handke, anunciado esta quinta-feira, em Estocolmo, ao mesmo tempo que foi divulgado o nome do vencedor do ano de 2018, à escritora polaca Olga Tokarczuk, ativista política e com uma conhecida posição de combate à extrema-direita do seu país. O Nobel não foi entregue no ano passado devido a um escândalo sexual envolvendo o marido de uma membro da Academia.

Na Bósnia-Herzegovina e também no Kosovo, foram várias as personalidades a criticar a decisão da Academia Sueca, que escolhe os laureados. De acordo com a Al Jazeera, em menos de 24 horas, já mais de 20 mil pessoas tinham assinado uma petição online a pedir que o prémio não seja entregue ao autor de 76 anos. A PEN America, a associação norte-americana sem fins lucrativos que celebra a liberdade de expressão e que entrega os prémios PEN, emitiu um comunicado em que condenou o anúncio desta quinta-feira, frito “num momento de nacionalismo crescente, de liderança autocrata e desinformação generalizada no mundo”.

Prémio Nobel da Literatura atribuído a Olga Tokarczuk e Peter Handke

“Estamos estupefactos com a seleção de um escritor que usou a sua voz pública para minar a verdade histórica e oferecer auxílio a perpetradores de genocídios, como o ex-presidente sérvio Slobodan Milosevic ou Radovan Karadzic. Rejeitamos a decisão de que um escritor que persistentemente questionou crimes de guerra documentados seja celebrado pela sua ‘ingenuidade linguística.” No anúncio feito em Estocolmo, a Academia explicou que entregava o prémio a Handke elo seu “trabalho influente de engenharia literária” e pela sua capacidade de “explorar a periferia e a especificidade da experiência humana”. “A comunidade literária merece melhor do que isto”, concluiu a PEN.

Esta reação já era esperada. As posições controversas de Peter Handke há muito que o tornaram num proscrito do mundo literário, com os anúncios de prémios e homenagens ao seu trabalho a serem consecutivamente acompanhados por manifestações, como aquela que aconteceu em Oslo, na Noruega, em 2014, quando lhe foi atribuído o International Ibsen Award pelo seu trabalho no meio teatral.