Os curdos e o governo sírio chegaram a um acordo para mobilizar tropas para a fronteira norte do país de modo a estancar a ofensiva militar vinda da Turquia, avança a BBC citando a comunicação social síria.
A aliança surge depois de o presidente Donald Trump ter anunciado este sábado que os Estados Unidos aplicarão “sanções severas” contra a Turquia, pela ofensiva militar contra as milícias curdas na Síria, e ter ordenado a saída imediata das tropas norte-americanas na região. As decisões acontecem no mesmo dia em que a Turquia intensifica o ataque na zona fronteiriça do norte da Síria: pelo menos 26 civis terão sido mortos só este domingo e mais de 700 familiares e pessoas próximas de membros do Estado Islâmico fugiram, depois de o campo onde estavam detidos ter sido bombardeado.
A situação é de tal forma intensa que, de acordo com o secretário da Defesa norte-americana, os curdos estarão a negociar um entendimento com as forças russas e sírias de apoio a Bashar al-Assad para combater o exército turco.
Depois de ter anunciado na semana passada a retirada de tropas norte-americanas na região, abrindo assim caminho à ofensiva turca contra os curdos, o Presidente dos EUA disse este domingo que estava em conversações com o Congresso para a aplicação de sanções contra a Turquia: “Estou a negociar com o senador Republicano Lindsey Graham e outros membros do Congresso, incluindo Democratas, para a imposição de sanções severas à Turquia. O [Departamento do] Tesouro está preparado”, escreveu Donald Trump na sua conta pessoal da rede social Twitter.
Dealing with @LindseyGrahamSC and many members of Congress, including Democrats, about imposing powerful Sanctions on Turkey. Treasury is ready to go, additional legislation may be sought. There is great consensus on this. Turkey has asked that it not be done. Stay tuned!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 13, 2019
Trump responde assim ao apelo feito por Lindsey Graham que, embora seja um forte apoiante do Presidente, tinha criticado a decisão da retirada de tropas da Síria, abandonando os aliados curdos na Síria à mercê da ofensiva militar turca.
Mil soldados norte-americanos retirados da região por haver risco de confronto entre Turquia e EUA, aliados da NATO
Nos últimos dias, os EUA têm feito apelos ao Presidente turco para que cesse a operação militar e este sábado, de acordo com o secretário de Defesa Mark Esper, Donald Trump ordenou a saída imediata e total do contingente militar no norte da Síria.
Interrogado sobre se achava que a Turquia, aliada na NATO, atacaria deliberadamente as tropas norte-americanas na Síria, Mark Esper disse não saber o que responder. Esper mencionou um incidente ocorrido na sexta-feira em que um pequeno grupo de tropas norte-americanas ficou sob o fogo de artilharia turca, num posto de observação no norte da Turquia, mas disse que pode ter sido apenas um exemplo de “fogo indiscriminado”, não destinado deliberadamente a atingir militares dos EUA.
Esper disse que falou sobre a situação na Síria com o Presidente Trump, na noite de sábado, quando crescem os sinais de uma intensificação da ofensiva turca. “Nas últimas 24 horas, descobrimos que eles [os turcos] provavelmente pretendem expandir seu ataque mais a sul e a oeste do que o originalmente planeado”, disse Esper, referindo-se à escalada de dimensão da ofensiva contra as milícias curdas.
De acordo com o secretário de Defesa, os EUA também acreditam que os curdos estão a tentar “fechar um acordo” com o exército sírio e com a Rússia para combater as forças turcas, vindos do sul do país, o que ajudou à decisão de Trump de retirada das forças norte-americanas da região, já que as forças norte-americanas poderiam ficar “presas entre dois exércitos inimigos”.
No mesmo sentido, Trump usou a sua conta de Twitter para explicar, mais uma vez, por que os EUA não se devem envolver militarmente na região: “Outros podem querer entrar e lutar por um dos lados contra o outro”, escreveu, podendo estar a referir-se à intervenção síria e russa no conflito, como esclareceu Mark Esper.
Entretanto a Síria confirmou que vai mesmo enviar tropas governamentais para o norte do país, para enfrentar a ofensiva turca contra as milícias curdas nessa região, segundo os media estatais sírios. De acordo com fontes oficiais citadas pela agência e pela estação televisiva estatais da Síria, o exército prepara-se para entrar em cidades controladas pelos curdos que estão a ser atacadas pelas forças turcas, desde quarta-feira, dias depois de os Estados Unidos terem anunciado a retirada das suas tropas da região.
“Unidades do exército árabe sírio estão a caminho do norte, para enfrentar a agressão turca em território sírio”, diz a agência estatal, citando fontes oficiais que dizem ter havido negociações entre a administração semi-autónoma curda e o Governo de Bashar al-Assad, mediadas pelo Governo russo.
Uma autoridade norte-americana disse este domingo que a situação no nordeste da Síria está a “deteriorar-se rapidamente” à medida que as forças apoiadas pela Turquia avançam e podem isolar as forças dos Estados Unidos no terreno. O risco de um confronto entre as forças apoiadas pela Turquia e os Estados Unidos no nordeste da Síria estará, por isso, na origem da retirada de mais tropas. Ambos os países são aliados da NATO e dispõem dos dois maiores exércitos da Aliança Atlântica.
Ofensiva a Ras al-Ain intensifica-se: 60 civis já morreram e mais de 130 mil abandonaram as suas casas
Pelo menos 26 civis morreram este domingo durante a ofensiva turca contra as forças curdas no nordeste da Síria, indicou um novo balanço da organização não-governamental Observatório Sírio para os Direitos Humanos (OSDH).
Na cidade fronteiriça de Ras al-Ain, pelo menos 10 pessoas morreram num raide aéreo conduzido pelas forças turcas que atingiu uma coluna de veículos composta por civis e jornalistas, precisou a organização não-governamental (ONG). Num anterior balanço, relativo também às vítimas mortais registadas durante o dia de domingo, o OSDH tinha confirmado 14 civis mortos.
A Turquia lançou na quarta-feira uma operação militar, que inclui alguns rebeldes sírios, contra a milícia curda Unidades de Proteção Popular (YPG), grupo que considera terrorista, mas que é apoiado pelos ocidentais para combater o grupo extremista Estado Islâmico (EI).
“Estávamos a acompanhar a coluna de civis curdos bombardeada pelas forças turcas ou pelos seus aliados em Ras al-Ain. A nossa equipa está bem, mas colegas morreram”, divulgou, por sua vez, uma jornalista de uma estação de televisão francesa, Stéphanie Perez, na rede social Twitter, mas sem dar mais pormenores.
Syrie. Nous étions ds le convoi de civils kurdes pris pour cible par les forces turques ou leurs alliés à Ras Al Ain. Notre équipe va bien mais des confrères sont morts. Notre récit ds le @20hFrance2 ce soir avec @AuerNicolas et Yan Kadouch @franceinfo @france2tv #Rojava #Turquie
— Stephanie Perez (@PerezpStephanie) October 13, 2019
O OSDH relatou a morte de “um jornalista”, mas, até ao momento, não conseguiu confirmar a identidade ou a nacionalidade do profissional. A agência noticiosa curda Hawar informou, entretanto, que um dos seus jornalistas no local, identificado como Saad Ahmed, morreu no ataque. A Hawar, citada pela agência espanhola EFE, avançou ainda que outros sete jornalistas ficaram feridos.
Em cinco dias, ou seja, desde o início da ofensiva turca, pelo menos 104 combatentes curdos e cerca de 60 civis morreram na sequência dos confrontos, segundo o mais recente balanço do OSDH. A ofensiva turca no nordeste da Síria já provocou cerca de 130 mil deslocados vindos das cidades de Tal Abyad e Ras al-Ain, de acordo com a ONU. As Nações Unidas estimam ainda que cerca de 400.000 pessoas na área podem precisar de assistência e proteção nos próximos dias.
Desde sábado, que combatentes turcos e apoiantes da Turquia realizam ataques aéreos em direção à cidade de Ain Eissa, administrada pelas forças lideradas pelos curdos e onde está localizada uma grande base dos Estados Unidos. A autoridade disse que as forças norte-americanas e os seus aliados curdos já não controlam as linhas terrestres de comunicação.
A Turquia declarou que o objetivo da ofensiva na Síria é combater e afastar da região a milícia curdo-síria Unidades de Proteção Popular (YPG, integrante das Forças Democrática da Síria), que os turcos consideram uma organização terrorista por suas ligações com a insurgência curda na Turquia.
O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, disse na sexta-feira que a Turquia não vai parar até que o YPG, que forma a espinha dorsal da força terrestre apoiada pelos Estados Unidos contra o Estado Islâmico (EI) no norte da Síria, retire-se para pelo menos a 32 quilómetros da sua fronteira.
Centenas de familiares de apoiantes do Estado Islâmico fogem de centro de detenção
Esta domingo de manhã, um dos ataque aéreos turcos à cidade de Ain Issa, dominada pelos curdos, fez com que cerca de 700 familiares de membros do grupo extremista Estado Islâmico (EI) escapassem, avançou o The New York Times. Ao mesmo jornal, um responsável curdo afirmou que os ataques da Turquia estão a levar a um maior controlo da região pelos extremistas.
“Estamos a enfrentar ataques ferozes e somos forçados a diminuir o número de guardas ”, disse Ciya Kurd, da autoridade regional liderada pelos curdos, justificando assim a falta de controlo ao campo de detenção em Ain Issa, onde estavam alojados filhos e companheiras de combatentes da organização terrorista.
(Em atualização)