A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamentou a morte do pintor Manuel Amado, que ocorreu nesta segunda-feira, em Lisboa, aos 81 anos, considerando-o “um dos mais singulares e coerentes [nomes] da pintura portuguesa”, numa mensagem de pesar, enviada às redações.

“Arquiteto de formação, cujo percurso é dos mais singulares e coerentes da pintura portuguesa”, a obra de Manuel Amado (1938-2019) está hoje “representada em quase todas as grandes coleções nacionais de pintura”.

“O seu olhar sobre o país e a passagem do tempo, rigoroso na representação da luz e das sombras, formou um modo de ver Portugal e, muito em particular, a cidade de Lisboa onde nasceu, erguida a partir de uma memória ao mesmo tempo real e profundamente afetiva”, escreve Graça Fonseca, na mensagem divulgada.

“Com uma ligação pessoal e familiar às artes cénicas, foi graças à sua obra pictórica, vasta e imediatamente reconhecível, que se afirmou como um dos pintores mais emblemáticos da arte contemporânea portuguesa, com um trajeto sempre diverso e diferente das correntes dominantes”, acrescenta o comunicado da ministra da Cultura.

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Graça Fonseca recorda Manuel Amado como filho do autor, encenador e ator Fernando Amado, fundador da Casa da Comédia e do Teatro Ginásio, para lembrar a ligação do artista ao teatro: “Ator nos seus anos de estudante, [quando] colaborou com António Manuel Couto Viana, Manuel Amado foi também um pintor do tempo e dos ritmos próprios das artes cénicas”, conclui Graça Fonseca.

O pintor Manuel Amado morreu ontem, em Lisboa, aos 81 anos, vítima de cancro, disse à Lusa fonte da família.

Nascido em 1938, formou-se em Arquitetura, em 1965, mas foi a pintura que o moveu desde muito cedo, e à qual se dedicou em exclusivo desde 1987.

Autor de “Quarto Interior”, que faz parte da Coleção Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, e do tríptico da Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, participou pela primeira vez numa exposição coletiva em 1975, na Sociedade Nacional de Belas Artes, em Lisboa. Em 1978, a convite de Cruzeiro Seixas, fez a sua primeira exposição individual, a que se seguiu nova mostra em nome próprio, no início da década de 1980, na Galeria São Mamede, em Lisboa, e, depois, na Cooperativa Árvore, no Porto.

"Quarto interior" faz parte da Coleção Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian

“Quarto interior” faz parte da Coleção Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian

Desde então, expôs com regularidade em Portugal e no estrangeiro, destacando-se a sua presença no Smithsonian, em Washington, na ARCO Madrid, na Fundação Telefónica, em Madrid, que acolheu a sua primeira retrospetiva, em 1974, e na Fundação Calouste Gulbenkian, em Paris, em 2001.

A sua obra está representada em coleções públicas e privadas de instituições como Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação das Descobertas/Centro Cultural de Belém, Fundação Millennium BCP, Fundação Oriente, Fundação EDP, Fundação Portugal Telecom, Fundação Cupertino de Miranda, Fundação Berardo, Casa Museu Fernando Pessoa e, no estrangeiro, na Fundação Jacqueline Vodoz e Bruno Danese (Itália), e na Fundação António Perez Museu de Arte Contemporânea (Espanha).

Em maio de 2016, a Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, acolheu a sua exposição “O Verão era assim como uma casa de morar onde todas as coisas estão…”, uma retrospetiva que remontava a obras dos anos de 1970, com curadoria da própria pintora Paula Rego e da coordenadora da instituição, Catarina Alfaro.

Os quadros de Manuel Amado “possuem todos uma simplicidade ameaçadora”, disse então Paula Rego sobre a obra do pintor, como recorda a Casa das Histórias, na página dedicada ao artista. “É como se ele pintasse para erradicar um fantasma, algo que nunca conseguirá fazer”.

E prossegue a instituição: “Não há dúvida de que a obra de Manuel Amado se constrói a partir de um mistério que é, à partida, simples: as coisas normais veem-se sob um ângulo diferente, e por isso os modos de conceção da subjetividade na apreensão do mundo podem tornar-se a verdadeira fonte do enigma. Cada uma destas pinturas será, então, um exercício de perceção do invisível no visível da obra”.

“As suas ligações afetivas aos espaços que habitou, e que são reveladas através da memória, não fotográfica, mas uma memória reconfigurada que contém ressonâncias que derivam do passado e do presente, do momento em que esses espaços estão a ser relembrados pelo artista”, traduzem então essas “forças invisíveis” da pintura de Manuel Amado, segundo a Casa das Histórias.

“Em Manuel Amado o silêncio faz-se palavra pela celebração da luz. Vai mais longe: confere vida à cidade com a discretíssima insinuação de poesia e de segredo, que paira nesse mundo deserto de personagens”, escreveu José Cardoso Pires (1925-1998), no catálogo de umas primeiras exposições individuais de Manuel Amado, na Galeria de São Mamede.