O discurso anual da líder de Hong Kong, Carrie Lam, na assembleia regional, foi interrompido duas vezes por protestos de vários deputados e teve mesmo de ser cancelado, acabando por ser transmitido via vídeo mais tarde. É a primeira vez que um líder executivo em Hong Kong é interrompido na câmara e impedido de discursar, de acordo com a BBC. E o caos na assembleia fez com que a revogação da famosa lei da extradição, que deu início aos protestos que abalam a região desde junho, não pudesse ser efetivada.
Carrie Lam começou a discursar no Conselho Legislativo por volta das 11h da manhã (hora local, 4h em Lisboa) desta quarta-feira, mas rapidamente foi interrompida pelos gritos de vários deputados, que diziam “cinco exigências, nem uma a menos”. A frase refere-se às cinco exigências feitas pelos manifestantes durante esta vaga de protestos: eliminação da lei da extradição, inquérito independente à ação policial nas manifestações, demissão de Carrie Lam, libertação de ativistas detidos e mais liberdades democráticas.
Os deputados do partido pró-democracia Partido Cívico traziam t-shirts pretas (a mesma cor usada pelos manifestantes) com essa mesma frase, como revela o jornal local South China Morning Post (SCMP). Dois deputados, Eddie Chu e Au Nok-hin, traziam consigo fotografias do Presidente chinês Xi Jinping, que usaram para tapar a cara — numa referência à “lei anti-máscara”, aprovada este mês, que proíbe os manifestantes de terem a cara coberta durante os protestos. No meio da confusão, seis deputados acabaram por ser expulsos da câmara.
Amid scenes of mayhem and constant heckling of embattled leader Carrie Lam, today's meeting has been adjourned.
Video: SCMP/Alvin Lum pic.twitter.com/5I05kno3bp
— SCMP Hong Kong (@SCMPHongKong) October 16, 2019
A desordem, no entanto, continuou e Lam teve mesmo de cancelar a sua intervenção, depois de ser interrompida pela segunda vez. A deputada Tanya Chan, do Partido Cívico, acusou Lam de ter “sangue nas mãos” e disse-lhe que não tinha direito a dirigir-se à assembleia: “Ela acabou por incitar muita gente a protestar [com as suas ações]. E agora quer vir aqui falar de políticas e de governar Hong Kong?”, questionou.
Na sequência da saída de Carrie Lam do Conselho Legislativo, o Governo emitiu de seguida um comunicado para explicar que o discurso iria ser transmitido via vídeo. “Devido às circunstâncias atuais, a chefe do Executivo não pôde fazer o seu discurso na íntegra”, pode ler-se no comunicado. “Para que toda a gente possa conhecer as várias iniciativas que dele constam, na íntegra, ela irá fazer o discurso através de um vídeo.”
No vídeo, Carrie Lam anunciou uma série de medidas, em particular para a habitação. Mas também se referiu ao elefante na sala, falando sobre as manifestações: de acordo com o SCMP, a líder de Hong Kong sublinhou que a violência pode destruir a região, pediu um regresso à normalidade e assegurou que se irá manter firme ao princípio de “um país, dois sistemas”, defendido pelo Governo chinês para Hong Kong. Tal não impediu o maior partido pró-Pequim de criticar o discurso de Lam: “Para além de pedir às pessoas para serem pacíficas e racionais, devia ter proposto medidas substanciais para que as pessoas tenham confiança de que a ordem social será restaurada”, afirmou a presidente da Aliança Democrática para o Melhoramento e o Progresso de Hong Kong, Starry Lee Wai-king.
As cenas de caos na assembleia regional de Hong Kong aconteceram no mesmo dia em que o Congresso norte-americano aprovou vários projetos de lei que apoiam os manifestantes na região.
Hong Kong: Câmara dos Representantes dos EUA aprova projetos de lei de apoio a manifestantes