O procurador que arquivou o caso que em 2011 envolveu o mesmo obstetra que não detetou malformações graves num bebé nascido este mês em Setúbal concluiu que não houve violação dos deveres de cuidado ou das regras da medicina.

No despacho final do caso da bebé que nasceu em 2011, no Hospital Amadora-Sintra, com múltiplas malformações físicas e mentais, inclusivamente sem queixo e com as pernas ao contrário, o procurador concluiu pelo arquivamento, explicando que “resulta claramente da consulta técnico-científica do Conselho Médico-Legal que a vigilância da gravidez de assistente cumpriu o protocolo médico adequado e foi conforme as regras técnicas clínicas”.

Três ecografias, zero malformações detetadas, um “erro grosseiro”. Como pode nascer um bebé sem rosto?

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“É inequívoco não ter existido qualquer violação de deveres de cuidado que se impunham aos médicos denunciados ou a violação das ‘leges artis’ [regras próprias] da medicina”, lê-se no despacho final, de 2013, a que a Lusa teve acesso.

O processo teve por base uma queixa apresentada em 2011 pela mãe da bebé, que durante a gravidez realizou várias ecografias numa clínica onde era acompanhada pelo médico Artur de Carvalho.

Durante a gravidez, refere o despacho, tanto no Centro de Saúde da Amadora, como na referida clínica, a mulher foi sempre informada de que tudo estava bem com o seu feto.

A bebé acabou por nascer em janeiro de 2011, no Hospital Fernando da Fonseca (vulgo Amadora-Sintra), com diversas deficiências físicas e mentais. Por suspeitar de negligência médica, uma vez que tinha efetuado todas as ecografias recomendadas, a mãe apresentou queixa ao Ministério Público.

A matéria analisada foi submetida, por parte do Instituto de Medicinal Legal, a consulta do Conselho Médico-Legal, que, segundo o despacho, refere que não se encontraram referências a incidentes relevantes até às 38 semanas de gestação, sendo as análises laboratoriais realizadas de acordo com os protocolos de acompanhamento da gestação e os seus resultados normais.

Neste caso, foram realizadas ecografias às oito, 12, 19, 25 e 32 semanas, cumprindo o protocolo mínimo exigido (12, 19, 32), refere o despacho final, que explica que os resultados foram normais, quer em termos de biometria, quer em termos de morfologia.

O Conselho Médico-Legal entendeu que a vigilância da gravidez “cumpriu o protocolo habitual, sendo conforme àquelas ‘leges artis’, isto é, as regras técnicas próprias da medicina”.

Na ecografia das 12 semanas, os marcadores (sinais indiretos) de risco de cromossomopatia eram positivos, refere, acrescentando que às 38 semanas foi identificada a redução do líquido amniótico e restrição fetal (biometris situada no limiar da normalidade – percentil 10) e que o feto estava em apresentação pélvica, pelo que se optou pela extração por cesariana.

Posteriormente, foram diagnosticadas fenda do palato, microcefalia, ventriculomegalia ligeira, sindactilia (não separação) dos dedos dos pés, subluxação das ancas, luxação dos joelhos, laringeotraqueomalácia (alteração congénita da laringe) e comunicação interauricolar(CIA) pequena, além do diagnóstico genético de trisomias 10 e 15, refere o despacho.

Relativamente às anomalias morfológicas detetadas, o procurador escreve que a laringotraqueomalácia, subluxação das ancas e sindictilia dos pés “não são acessíveis a diagnóstico ecográfico pré-natal”.

Já a fenda do palato isolada (sem defeito associado ao lábio superior), a luxação dos joelhos e a “pequena” CIA, “não sendo absolutamente inacessíveis ao diagnóstico pré-natal, são no entanto de deteção altissimamente improvável em exame de rotina, o que quer dizer quase impossível”, refere o documento, assinado pelo procurador-adjunto Pedro Miguel Tavares.

A microcefalia e a ventriculomegalia ligeira que estão referidas no processo “não condizem com os resultados ecográficos da medida do Diâmetro Biparietal, do Perímetro Cefálico e do Ventrículo Lateral que foram realizados sempre que adequado e cujo resultado foi sempre normal – não poderiam assim com base nos dados ecográficos ter sido detetados prenatalmente”, explica.

Finalmente, as trissomias 10 e 15, só poderiam ser diagnosticadas durante a gravidez através de uma técnica invasiva (amniocentese), que não tinha justificação para se realizar atendendo à idade da gestante e aos seus dados clínicos.

Este caso envolveu tanto o médico que seguiu a gravidez, como o que seguiu a grávida na clínica onde fez as ecografias de acompanhamento, Artur de Carvalho, que segundo a Ordem dos Médicos tem quatro processos em curso no conselho disciplinar.

O caso agora conhecido do bebé que nasceu no início deste mês no Hospital de São Bernardo (Setúbal) com malformações graves que não foram detetadas durante a gravidez, foi divulgado na quinta-feira, pelo Correio da Manhã, que contou que o bebé nasceu sem olhos, nariz e parte do crânio, depois de a mãe ter realizado ecografias numa clínica privada em Setúbal com o obstetra que a seguia.