Este fim de semana, depois de dezenas de jogos, de uma fase de grupos longa com um tufão pelo meio, de partidas canceladas e de seleções a ameaçarem processar a organização do Mundial porque não queriam deixar de entrar em campo, existia a sensação de que o Campeonato do Mundo de râguebi estava finalmente a começar. Com o arranque dos quartos de final, as melhores equipas começavam a enfrentar-se, muitas das melhores equipas começavam a cair e o caminho até à final começava a afunilar.

O primeiro desses confrontos era entre Inglaterra e Austrália: os primeiros, não passaram da fase de grupos no Mundial que organizaram em 2015; os segundos, só caíram na final desse mesmo Mundial perante a Nova Zelândia. Este sábado, um dos destaques do lado australiano era Christian Leali’ifano, não tanto por ser uma das principais figuras da equipa orientada por Michael Cheika, mas por protagonizar uma das mais impressionantes histórias de superação dos últimos anos no desporto. Para a Austrália e para Cheika, 2018 foi o pior ano de sempre a nível de resultados para a seleção da Oceânia; para Leali’ifano, 2016 foi o pior ano de sempre a nível pessoal.

Há três anos, o jogador começou a sentir um cansaço fora do normal mas achou que estava em tudo relacionado com as noites passadas em claro com o filho, que era na altura recém-nascido. A preocupação agravou-se no dia em que ficou com as mãos e os pés dormentes durante um treino: depois de uma ida ao médico, onde achou que sairia com o diagnóstico de um qualquer vírus, Leali’ifano soube que tinha leucemia. Com apenas 29 anos, ouviu a “palavra tão pesada”, como recordou numa entrevista em maio, e foi imediatamente internado no hospital. Foi internado numa quinta-feira, começou a quimioterapia no sábado seguinte e perdeu 12 quilos em duas semanas. Mas o pior de todo o cenário — pior do que estar doente, pior do que ter deixado o râguebi, pior do que estar no hospital — era não poder estar em contacto com o filho, Jeremih.

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Com o sistema imunitário praticamente inofensivo, Christian Leali’ifano não podia arriscar estar na mesma sala de um recém-nascido que adoece facilmente. Mas foi essa vontade de voltar a ver Jeremih — mais do que o râguebi, mais do que o desporto, mais do que os Mundiais e as medalhas — que motivou o jogador australiano a aguentar vários ciclos de quimioterapia e um transplante de medula para ultrapassar a doença. “Só vê-lo ali a sorrir…tivesse cabelo ou não, tivesse sobrancelhas ou não, olhava para mim exatamente da mesma forma. Isso para mim era um autêntico presente”, explicou há meses, passados praticamente três anos sem vestígios da doença.

Este sábado, e já depois de ter surpreendido tudo e todos quando regressou e estar ao seu melhor nível aos 32 anos e após superar uma leucemia, Christian Leali’ifano fez parte do 15 inicial da Austrália que perdeu nos quartos de final do Mundial com Inglaterra (40-16). Converteu depois de um ensaio e ainda marcou três penalidades, sendo o principal destaque dos australianos, mas não conseguiu evitar a eliminação daquela que ainda é a seleção vice-campeã do mundo. Christian e a Austrália vão para casa, a Inglaterra é cada vez mais uma candidata ao título: mas Leali’ifano já tem a medalha de ter vencido a maior de todas as batalhas. E no final do jogo, dirigiu-se em lágrimas às bancadas para abraçar o filho.