Quando Alex Ferguson assumiu o comando do Manchester United, no longínquo ano de 1986, o Liverpool chegou ao seu 16.º título com uma equipa onde se destacava Kenny Dalgish, um treinador jogador daqueles à antiga que se colocava no onze inicial na maioria dos encontros e que terminou a temporada a somar a Taça de Inglaterra ao Campeonato. Nessa altura, os red devils somavam apenas sete triunfos na principal competição, menos do que Everton e Arsenal, os mesmos do que o Aston Villa. Em três décadas, tudo mudou.

No caso do Liverpool, ainda ganhou mais dois Campeonatos em 1988 e 1990 antes de fechar a loja – até hoje. Já o Manchester United, a partir dos anos 90 e com prolongamento para a primeira década do século XXI, criou uma hegemonia tal que lhe permitiu chegar ao impossível e ultrapassar mesmo o número de Campeonatos do conjunto da cidade dos Beatles, passando a somar um total de 20 com o último a coincidir com o ano em que o escocês se afastou dos relvados. Ou seja, durante a era Fergie esse confronto direto foi de 13-2. Nas últimas seis temporadas, não caiu nem para um nem para outro, com o aparecimento em força do Manchester City entre a história de sonho do Leicester e o regresso do Chelsea. Ainda assim, algo estava mesmo a mudar…

Quando chegou ao Liverpool, em outubro de 2015, substituindo Brendan Rodgers (que hoje lidera o Leicester, grande sensação da Premier League até ao momento), Jürgen Klopp descreveu-se como o “Normal One” que tinha como principal objetivo tornar os renitentes em crentes. Sem promessas de títulos, sem promessas de bom futebol, sem promessas do que quer que fosse a não ser essa mudança nos adeptos. Quatro anos depois, os reds saltaram do oitavo para o segundo lugar no último Campeonato, sagraram-se campeões europeus. Só falta mesmo quebrar o jejum de títulos para o alemão de tornar imortal na história de Anfield.

Essa era a grande meta no início da temporada para uma equipa com poucas alterações na composição global, essa foi a grande conquista nas oito primeiras jornadas. Tanto ou mais do que as oito vitórias consecutivas a abrir, o Liverpool viu também o rival mais direto, o Manchester City, perder oito pontos nessa fase (um empate e duas derrotas). Com isso, ficou ainda mais próximo de ultrapassar um recorde vigente nas cinco principais ligas europeias de triunfos seguidos: após o 2-1 ao Leicester nos descontos, o conjunto de Klopp chegou aos 17, a um do registo do City em 2017 e a dois da marca do Bayern, entre 2013 e 2014. Por isso, a deslocação a Old Trafford para defrontar um United nas ruas da amargura tinha esse ponto de interesse extra por perceber.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Com uma estrutura assumida de três centrais que se transformava um cinco defesas sem bola, os visitados foram abdicando de pressionar e descendo de forma organizada na transição e tentando explorar os ataques rápidos em profundidade. Nos primeiros minutos, até pela qualidade na posse que conseguia no meio-campo, a equipa de Solskjäer foi conseguindo ter algum domínio; depois, o Liverpool começou a agarrar mais no jogo, teve um remate à figura de De Gea por Wijnaldum (12′) e foi equilibrando com mais períodos de domínio a primeira parte até ao minuto que definiu os primeiros 45: depois de um remate fraco de Firmino numa saída rápida com assistência de Sadio Mané, foi o Manchester United a inaugurar o marcador (36′).

A jogada em si é daqueles que merece entrar nos compêndios das melhores: grande passe de McTominay a explorar a profundidade, cruzamento de Daniel James a fugir a Alisson e toque final na área de Rashford, que fugiu da melhor forma a Matip ameaçando que iria surgir ao primeiro poste e encontrando a bola nas costas do defesa. O “problema” foi que, no início, Origi caiu num lance com Lindelöf e ficou-se a pedir falta. O VAR reviu essa situação e mandou seguir, considerando que não tinha existido qualquer infração do sueco, mas o banco do Liverpool, em especial Klopp, ficou tudo menos convencido. E ainda veria antes do intervalo o vídeo-árbitro de novo em ação, desta vez por anular (bem) um golo de Mané que dominou a bola com a mão (44′).

Sem Salah, que foi substituído na equipa inicial por Origi devido a problemas físicos, Klopp foi tentando de tudo para chegar pelo menos ao empate mas este era mesmo um “dia não” entre as unidades ofensivas do Liverpool, que perante a defesa organizada dos red devils nunca conseguiram criar grandes situações de perigo junto à baliza de De Gea. Aliás, e até à entrada dos últimos cinco minutos, os dois sinais junto dos guarda-redes até vieram do Manchester United, com Rashford e Fred a ficarem perto do golo. No entanto, e na reta final, Lallana, um dos suplentes lançados na segunda parte a par de Oxlade-Chamberlain e Naby Keita, surgiu ao segundo poste após cruzamento da esquerda para fazer o empate que ainda assim não salvou a série de triunfos seguidos (85′).

Com José Mourinho num camarote a ser muito saudado pelos adeptos da casa, este Manchester United, agora com Solskjäer que rendeu o português no comando técnico em dezembro de 2018, foi tendo diversos treinadores desde 2013 mas mudou mesmo de vez o seu ADN, sentindo-se sobretudo confortável nos jogos como o deste domingo em que dá a iniciativa e joga no erro. Hoje, não podendo fazer história, estragou a dos outros.