A National Portrait Gallery, em Londres, recebe, até 26 de janeiro de 2020, uma exposição dedicada às mulheres que fizeram parte da Irmandade Pré-Rafaelita. O objetivo é acabar com o mito de que o movimento artístico inglês, que buscava a inspiração na pintura anterior a Rafael, era composto apenas por homens. A curadoria é de Jan Marsh, autora de Pre-Raphaelite Sisterhood e especialista nos pré-rafaelitas. Esta é a primeira vez que o museu recebe uma exposição deste género. A maioria das obras pré-rafaelitas pertencem à Tate Britain, também em Londres.

“Um movimento artístico é um coletivo. As modelos, as artistas, as secretárias e as mulheres fizeram parte do processo criativo”, começou por explicar Marsh ao Artnet, apontando como exemplo Elizabeth Eleanor Siddall e Georgiana Burne-Jones, amigas e aspirantes a artistas cuja obra acabou esquecida com a passagem do tempo e o seus nomes associado apenas aos homens com quem casaram, Dante Gabriel Rossetti e Edward Burne-Jones.

Elizabeth Siddall ficou para a posteridade como modelo de alguns dos mais importantes artistas do movimento pré-rafaelita. É o rosto da inglesa nascida a 25 de julho de 1829, em Londres, que surge na pintura Twelfh Night, de Walter Deverell, em Two Gentlemen of Verona, de William Holman Hunt, ou em Ophelia, de John Everett Millais. Rossetti, com quem casou depois de um longo noivado em maio de 1860 e com manteve uma relação conturbada, pintou-a e desenhou-a dezenas de vezes. O último retrato, Beata Beatrix, foi terminado já depois da sua trágica e precoce morte, na sequência de uma overdose de láudano, em 1862, que ajudou a criar o mito da suicida melancólica que perdura até hoje.

Esse mito, em parte impulsionado pela família de Rossetti, é uma das razões pelas quais as ambições artísticas de Lizzie, como era conhecida entre aqueles que lhe eram próximos, acabaram por ser ignoradas ao longo das décadas. Além de se ter dedicado à pintura e ao desenho, Lizzie Siddall também escreveu poesia, publicada pela primeira vez na íntegra em 2018 por Serena Trowbridge, professora de Literatura Inglesa na Birmingham City University. O livro, My Ladys Soul: The Poems of Elizabeth Eleanor Siddall, foi, tal como a exposição da National Portrait Gallery, uma tentativa de colocar a mulher de Rossetti no lugar que realmente lhe pertence, não no das musas, mas junto daqueles que participaram nas grandes revoluções artísticas.

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Um retrato de Georgiana Burne-Jones pintado pelo marido, o pintor pré-rafaelita Edward Burne-Jones

Tal como Elizabeth Siddall, Georgina Burne-Jones, pintora e poeta tal como a amiga, também teve uma vida trágica. Mulher de Edward Byrne-Jones, Georgina foi proibida de entrar no estúdio pelo marido depois de ter tido o primeiro filho. “Foi uma tragédia”, comentou Jan Marsh, que espera ter feito justiça à artista ao apresentar uma coleção de trabalhos que incluem alguns desenhos nunca antes exibidos em público, ao Artnet. “Ela contou na biografia do marido, que também é uma autobiografia maravilhosa, que se sentava numa outra sala a chorar silenciosamente.” Já artista e modelo Maria Zambaco, com quem Byrne-Jones teve um caso, podia entrar no estúdio sempre que quisesse.

Apesar de todas as dificuldades, Georgina era determinada. Uma das primeiras mulheres vitorianas a dedicar-se à política, fez parte do conselho paroquial da localidade inglesa onde morava. O seu ato político mais corajoso foi, segundo o Artnet, pendurar um estandarte contra a guerra à porta de sua casa em Rottingdean, perto de Brighton, na costa sul de Inglaterra, numa altura em que o conflito com os bóeres na África do Sul estava no auge. Causou tanta indignação que o sobrinho teve de a salvar de ser atacada pela população local.

“Gostava de poder reescrever a narrativa que diz que as mulheres pré-rafaelitas eram exploradas e que passaram um mau bocado. Elas foram agentes ativos na construção dos seus próprios futuros”, declarou Marsh. “Agarraram as oportunidades, especialmente as modelos.” Entre as mulheres que figuram na exposição, contam-se as modelos Annie Miller, que pousou para Rossetti, Millais e Hunt, e Fanny Cornforth. “Mulheres como Annie Miller escaparam da sua classe social e de um destino provável de serviço doméstico”, disse ainda a especialista em Pré-Rafaelismo. Lizzie trabalhava como costureira quando conheceu os pré-rafaelitas e Fanny tinha sido prostituta. Quando a possibilidade de pousarem lhes foi apresentada, “aproveitaram-na da melhor maneira”.