“Estou muito assustada, mas os papéis que assinei em relação à eutanásia dão-me muita paz de espírito. Sei que quando for suficiente, tenho esses papéis. Se não os tivesse, acho que já me teria suicidado. Acho que vão acontecer menos suicídios quando todos os países aprovarem a eutanásia. Espero que toda a gente entenda que isto não é um homicídio. Isto ajuda as pessoas a viver mais”. Para Marieke Vervoort, o dia em que tudo foi “suficiente” chegou esta terça-feira. A atleta paralímpica morreu com recurso à eutanásia, aos 40 anos, na Bélgica.

Vervoort sofria de uma doença degenerativa grave e crónica e foi medalha de ouro nos 100 metros T52 e prata nos 200 T52 nos Jogos Paralímpicos de 2012, em Londres. Quatro anos depois, no Rio de Janeiro — num edição paralímpica que garantiu ser “um último desejo” — foi prata em T51/52 400 metros e bronze em T51/52 100 metros. Foi precisamente no Brasil que a atleta belga fez soar os alarmes e deixou claro que o dia em que tudo seria “suficiente” estava mais perto do que aquilo que se pensava.

A atleta paralímpica foi medalha de ouro nos Jogos de Londres, em 2012

“É demasiado duro para o meu corpo. Sofro a cada treino por causa das dores. E tenho de treinar muito para cada corrida. Mas treinar e competir são as minhas curas. Esforço-me tanto. Esforço-me para empurrar todo o meu medo e tudo o resto para longe”, disse Marieke Vervoort, que revelou depois que passava muitas noites em que só conseguia dormir 10 minutos devido às dores e que os sintomas e as consequências do treino intenso a faziam desmaiar várias vezes. A belga tornou-se uma forte e importante defensora da eutanásia, que é legal na Bélgica, garantindo que ter assinado os papéis relativos aos procedimentos colocou-lhe “a própria vida nas mãos”.

Além das dores, a condição da atleta paralímpica tornou-se ainda mais complexa há alguns anos, quando Vervoort começou a sofrer ataques epiléticos — um deles, em 2014, fez com que deixasse cair comida quente em cima das pernas, num acidente que resultou num internamento de quatro meses no hospital. Diagnosticada com a rara doença degenerativa aos 14 anos, Marieke Vervoort garantiu em entrevistas que queria ser recordada como “a senhora louca” que estava “sempre a rir, sempre a sorrir”. Voou num F-16, andou num carro de ralis e chegou a começar a organizar uma exposição sobre a própria vida. “Olho para a morte de forma diferente agora. Vamos dormir e nunca acordamos. Para mim, é algo pacífico”, explicou numa das últimas entrevistas.

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