A notícia de 39 pessoas encontradas mortas dentro do atrelado frigorífico de um camião num parque industrial em Essex, no Reino Unido, trouxe de volta memórias que Jawad Amiri não queria reviver. Também ele, há três anos, viajou dentro de um camião selado, juntamente com mais 14 pessoas, e quase morreu sufocado lá dentro. Mas a sua história teve um final diferente do cenário que foi encontrado esta quarta-feira: graças ao seu irmão mais novo, todos os que estavam dentro daquele camião conseguiram ser salvos.

Numa declaração que fez à BBC, Jawad recordou a sua história desde o momento em que partiu de um campo de refugiados em Calais, uma cidade no norte de França muito associada a casos de tráfico humano. “Todas as noites abriam um camião e colocavam grupos de 20 a 30 pessoas lá dentro. Pegavam no nosso dinheiro e não se importavam se vivíamos ou morríamos”, começou por contar.

Jawad, que tem 28 anos e é do Afeganistão, também fez parte de um dos grupos a entrar no atrelado frigorífico de um camião, juntamente com o seu irmão de sete anos e mais 13 pessoas. “Eles trancaram a porta atrás e todos ficamos assustados porque não era possível abrir a porta a partir de dentro”, explicou, acrescentando que o camião transportava caixas de medicamentos. “Havia um espaço no meio entre as caixas e o teto. Tivemos que lá ficar durante 15 ou 16 horas. Não nos podíamos mexer, sentar ou ficar de pé. Era como um túmulo em movimento”, descreveu.

Se no início da viagem todos passavam frio, a partir do momento em que o ar condicionado avariou, contou Jawad à BBC, “estava tudo cada vez mais quente”. As 15 pessoas tiraram os cobertores e as roupas. A água também começou a desaparecer e não existia casa de banho. “Era difícil respirar. O meu irmão estava a chorar e eu dizia-lhe sempre: ‘Vais ficar bem, eles vão abrir a porta”.

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Algumas das pessoas que vinham naquele camião, conta, tinham telemóvel, mas “não queriam chamar a polícia porque tinham medo de ser enviados de volta”. Ahmad, o irmão de Jawad, não teve medo. “O meu telemóvel ficou sem bateria, mas o Ahmad tinha um telefone muito pequeno e enviou uma mensagem para a senhora da instituição de caridade no campo de refugiados, que lhe tinha dado um telefone”, referiu. Foi a partir desse pequeno telemóvel que Ahmad enviou uma mensagem, com um inglês percetível o suficiente: “Precisamos de ajuda, o motorista não para, não há oxigénio no carro. Não há sinal, estou no camião. Não estou a brincar”.

Depois do aviso, a mulher alertou as autoridades, que encontraram rapidamente aquele camião e abriram a porta para retirar os 15 imigrantes de lá. Foram todos vistos por um médico e enviados para um abrigo. Atualmente, Jawad Amiri está a estudar e conseguiu um visto de residência no Reino Unido. Já o seu irmão, agora com 10 anos, está a criar uma experiência de realidade virtual da sua jornada, chamado Parwaz VR.

Sufocados em contentores, mortos em camiões: os migrantes que morreram como os 39 de Essex

Quando soube da história das 39 pessoas que não tiveram a mesma sorte de Jawad e o irmão, o jovem diz ter-se sentido “muito doente e triste”. “Estava no carro a conversar com um amigo e ele soube da notícia pela rádio. Estava fisicamente dentro daquele carro, mas na minha cabeça estava de volta àquele camião“, contou, acrescentando: “Não são apenas 39 pessoas que morreram. São 39 famílias que perderam um irmão ou irmã”.

Até esta sexta-feira, quatro pessoas foram detidas pela polícia britânica por suspeitas de tráfico humano e homicídio de 39 pessoas dentro de um camião. Estas vítimas terão viajado pelo menos durante 10 horas debaixo de temperaturas de -25ºC antes de chegarem à fronteira da Bélgica. As autoridades belgas afirmaram que já estariam dentro do camião muito antes de terem entrado no porto de Zeebrugge na terça-feira à tarde.

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