É fácil ver o mar como uma providencial caixinha de remédios, uma farmácia azul que faz mais pelos estados de alma que muito comprimido. Mas se a nossa relação com os oceanos e respetivos benefícios se perde no tempo, não é assim tão fácil aferir este impacto positivo do ponto de vista científico. É este um dos grandes projetos de Deborah Cracknell, investigadora da Universidade de Plymouth e especialista em psicologia ambiental, cujos estudos visam sustentar este efeito terapêutico e a influência da biodiversidade marinha na saúde e bem-estar humanos.
“A Terapia do Mar”, da editora Nascente, o seu primeiro livro, guia-nos por técnicas e conselhos, oportunidades de lazer e fontes de beleza, enquadra as atividades humanas nos habitats marinhos e tenta fornecer algumas pistas sobre como podemos dar passos mais sustentáveis, e faz-se ainda acompanhar de um conjunto de imagens e ilustrações que prometem reduzir os níveis de stress só de olhar para elas. Se tudo o resto falhar, não custa recorrer ao velho método de encostar um búzio ao ouvido na esperança de ouvir o som do mar.
Quando recua no tempo, depois de vários anos de investigação, que conceitos, ou preconceitos, sente que mais evoluíram entre o grande público em relação ao tema do mar?
De um modo geral, penso que o grande público se tem tornado mais consciente dos problemas que os oceanos enfrentam, em boa medida graças à exposição que os media têm dado ao assunto. Basta pensar em programas de televisão como o Blue Planet (o efeito David Attenborough); o Ocean Rescue, da Sky News (sobre a poluição provocada pelo plástico), ou os discursos da Greta Thunberg.
Destaca algum tópico em particular?
Penso que a poluição provocada pelo plástico é o tópico que merece mais atenção e do qual as pessoas estão mais conscientes, não só pela cobertura mediática mas também pelo facto de ser mais “visível” — as pessoas podem ver com frequência que há lixo nas praias (e podem até ajudar na limpeza deste tipo de materiais). Por contraste, “mudanças climáticas” é um conceito mais difícil de agarrar (apesar das ligações regulares entre condições extremas de frio ou calor e o fenómeno das alterações climáticas). O plástico permite ainda que as pessoas sintam que podem fazer algo para ajudar a resolver o problema (seja comprando menos água engarrafada ou optando por embalagens alternativas). Em paralelo, também a indústria da moda e as práticas de pesca têm merecido atenção redobrada.
Qual foi a sua prioridade ao escrever este livro e em que categoria o vê incluído?
Enquanto pesquisadora, quis que se tornasse acessível ao grande público a ciência que existe na relação entre os oceanos e a saúde humana, na forma como é conduzida mundo fora (e em particular no Reino Unido). Queria que essas conclusões não ficassem confinadas a publicações científicas. Interessa-me particularmente os benefícios físicos e mentais, e em todos os aspetos (seja um momento recreativo à beira mar, o simples facto de avistarmos o mar, ou até de olharmos para uma pintura ou fotografia). A minha esperança é que outras pessoas se interessem da mesma forma por esta ciência por trás do efeito que o mar tem em nós, e que nos arrasta.
Apesar da nossa relação com o mar se perder no tempo, é impossível ignorar a demora em alcançar evidências científicas deste contacto. Há ainda muito por fazer?
Continuo a interessar-me muito pela investigação neste campo. Penso que a ciência está em constante evolução e há um número crescente de formas inovadoras de explorar os pensamentos, sentimentos, e reações humanos em relação aos oceanos — e de aplicar este conhecimento, seja em cuidados de saúde, seja em práticas mais sustentáveis. Gosto de pensar que quanto mais soubermos sobre o mar e sobre a nossa relação com ele mas apreciaremos esta ligação (e com a natureza em geral). Mesmo que não vivamos junto ao mar, somos todos afetados pelos oceanos, pelo ar que respiramos, pelas regulações que envolvem o clima, pela alimentação, etc. Espero que uma compreensão alargada deste vínculo se traduza numa valorização do mar e num aumento dos nossos esforços para conservá-lo.
Quase um século depois de Willy Hugo Hellpach ter cunhado conceitos como o da psicologia ambiental, como é que olhamos para domínios como este?
Acredito que muita gente tenha uma curiosidade natural sobre o ambiente que a rodeia, e de forma e porque motivo respondem à natureza e aos elementos naturais. Por exemplo, será que se interrogam sobre o facto de procurarem conforto na natureza quando estão stressados? Sobre a forma como passar algum tempo a olhar para as ondas ou a escutar o barulho dos pássaros tem um efeito calmante? Podemos não estar sempre de forma ativa a procurar respostas na chamada psicologia ambiental mas estamos muitas vezes expostos a conceitos associados — programas de televisão, artigos em revistas e livros podem despertar e alimentar a nossa curiosidade.
Uma coisa é falar dos benefícios face à proximidade do mar, outra é esquecer que nem toda a população vive rodeada de água. Até que ponto um banho de sal ou um tratamento facial, como sugere no livro, podem atenuar a ausência de azul?
Há muitas formas de tirar benefícios. Temos as propriedades físicas dos diferentes tratamentos, como as algas e o seu impacto, e depois temos pequenos ganhos que resultam do simples facto de ver o mar. Ver água, de u modo geral, pode ser bastante terapêutico. Não é por acaso que nos parques e jardins as pessoas procuram o contacto com fontes e lagos. Nem toda a gente já viu peixes debaixo de água mas muitas pessoas mantêm peixinhos em aquários em casa, porque o consideram relaxante.
Mostrando nós essa propensão natural para desfrutar da água, até que ponto necessitamos de conceitos organizados como o de “saúde azul”? É fácil darmos o mar por adquirido e esquecer a sua fruição?
Penso que muito facilmente isso acontece, sim. Facilmente damos o mar como dado adquirido e esquecemo-nos como nos faz sentir bem. As nossas vidas tornam-se muito agitadas e por vezes deixamos passar aquele tempo em que nos devíamos focar na nossa saúde física e mental. Conceitos como o Blue Health, um projeto de investigação pan-europeu, ajudam-nos a entender esta relação e exploram-na de diferentes ângulos.
Quando falamos de emergência climática — e o assunto tem estado bastante na agenda — vemo-nos rodeados de uma extensa lista de desafios, que pode causar algum desnorte. O que está nas nossas mãos e considera que é mesmo prioritário?
Como refere, há muita coisa para fazer mas penso que reduzir a nossa pegada de carbono está no topo desta lista. Portanto, coisas como usar menos o carro pode ser uma forma de agir. Dito isto, as circunstâncias podem variar de pessoa para pessoa, já que nem todos temos automóvel. Talvez a alternativa seja cada um pensar que pode fazer algo, por mais pequeno que seja, e não assumir que por ser uma pequena acção não vai ter peso nenhum. Temos que olhar para as nossas ações quotidianas e fazer o máximo que podemos para reduzir o impacto ambiental (seja na forma como nos deslocamos, na comida que comemos, no desperdício alimentar que provocamos, na consumo de energia, etc. É uma lista muito longa. Costumámos ter os três R quando falávamos de sustentabilidade (“Reduzir, Reutilizar, Reciclar”), mas agora temos que contar com muitos mais: repensar, rejeitar, reparar, reposicionar).
Very pleased to have been a co-author on one of the chapters in this book. Congratulations to all authors and especially to @lemes_f @Mell_GIPlanning for making it happen. pic.twitter.com/79xZmjIE3n
— Deborah Cracknell (@MsScylla) April 1, 2019
Há uma certa contradição quando pensamos em azul. Por um lado, associamos a experiência à serenidade, por outro usamos a expressão “blues” para nos referir a melancolia, e por vezes até a alguns estados depressivos.
Sim, é verdade, é estranho que a expressão “feeling blue” seja usada quando nos sentimos em baixo. Aparentemente, há várias sugestões de ligação entre esta cor e os sentimentos desta natureza, como explica Geoffrey Chaucer, por exemplo. Pessoalmente, apenas associo esta cor à calma e, claro, ao próprio mar, que é onde me sinto mais feliz.