Poucas horas depois da tomada de posse do novo executivo socialista, Mário Centeno faz uma espécie de ponto de situação dos últimos quatro anos ao jornal brasileiro Folha de São Paulo. “Portugal passou de país atolado pela crise para exemplo para a Europa de alternativas à austeridade”, afirma o também líder do Eurogrupo numa conversa abrangente, que permitiu tocar-se em pontos tão dispares como o desempenho económico levada a cabo pela “geringonça” — o jornal paulista aponta Centeno como um dos pais desta coligação histórica –, o impacto das incertezas do Brexit e até o possível desfecho da guerra comercial que tem dividido o mundo entre os Estados Unidos e a China.

“Em 2014, Portugal era um país massacrado pela austeridade”, começa por referir Centeno (a entrevista foi feita por e-mail) ao explicar a “receita” para a recuperação económica que teria de passar pelo fim das “politicas pró-cíclicas” para que fosse possível “reconquistar a confiança dos cidadãos” e “dos investidores”, garantindo uma consolidação orçamental credível “que cumprisse as metas”. Ora, este caminho, segundo o ministro, fez-se com base em três pilares essenciais: a “reforma abrangente do setor financeiro”, a “devolução de rendimentos” e a “gestão rigorosa do Orçamento.”

Para Mário Centeno, o sucesso deste modelo tem responsabilidades no facto de Portugal, pelo menos em comparação com outros países europeus, ainda se conseguir manter a uma certa distância do flagelo do populismo. Centeno defende que “o fosso entre ricos e os pobres” e “a concentração do poder em poucas empresas” foram consequências de uma “redução do papel do Estado” que acabou por ir “longe demais nas últimas décadas” — muito por culpa da austeridade. A “crença de que cada um por si é melhor para todos” foi polarizando as sociedades e daí surgiram os populismos radicais, “à esquerda e à direta”, defendeu o ministro português.

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Afirmando que o sucesso da “geringonça” nunca o surpreendeu — pelo menos “no plano económico” –, Centeno olha para o futuro desta nova legislatura e dos desafios negociais com relativa tranquilidade, não só afirmando que qualquer debate com a esquerda terá de ser pautado pelo “mesmo espírito de diálogo e abertura” que tiveram “nos últimos quatro anos”, mas também reafirmando que temas como os “gastos públicos nas áreas sociais” ou o eventual “descontrole do deficit e do endividamento público” são prioridades absolutas do governo.

Foi no capítulo das políticas externas que Centeno se alongou mais. Primeiro deixou bem clara a importância da imigração brasileira (e não só) para a continuação do crescimento económico do país — “a taxa de desemprego em Portugal passou de mais de 12% em 2015 para perto dos 6%. Além disso, temos uma população muito envelhecida. Isto quer dizer que o crescimento depende da imigração” — e logo de seguida, sobre o acordo entre a Mercosul e a União Europeia e a sua relação com os problemas recentes dos incêndios na Amazónia (o dito acordo prevê uma “cláusula que obriga as partes a respeitar regras de proteção da natureza”), Centeno explicou que o caminho das sanções seria “contraproducente para a causa ambiental”, daí ser preferível, por enquanto, apostar na união e boa-fé como forma de “encontrar respostas”.

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As últimas considerações do ministro das Finanças português debruçaram-se sobre dois temas em específico: o Brexit e a guerra comercial entre os EUA e a China. Sobre o primeiro Centeno ressalva que a incerteza tem sido o “primeiro efeito negativo” de todo o processo, isto porque tem “deixado em suspenso muitas decisões de famílias, empresas e políticos”. “É preciso por um ponto final nesta incerteza e avançar”, explica, dizendo também que a União Europeia se tem “preparado para todos os cenários, incluindo o de uma saída desordenada”, garantido que apesar de uma mudança deste género ser estrutural para a grande maioria das economias europeias e de ser preciso algum tempo para as mesmas se habituarem, “em termos do setor financeiro o estado de preparação é adequado”.

Finalmente sobre os EUA e a Républica da China, Centeno diz que este é outra “grande fonte de incerteza”. O grande esforço dos EUA em melhorar a sua posição no panorama económico e financeiro mundial “desestabilizou o sistema comercial mundial e tem elevado tensões entre os principais blocos”. Apesar de ainda não se estar a viver “uma verdadeira guerra comercial”, esse risco paira no ar. A solução? “Manter abertas as vias de diálogo e cooperação. Foi essa a estratégia que nos trouxe décadas de crescimento.”