A terceira edição da Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra começa no sábado, explorando diferentes espaços da cidade, com obras de 39 artistas que ora “irritam”, ora podem funcionar como antídoto para um mundo “cheio de barulho”.

A bienal, que tem como tema “A Terceira Margem” (título do conto do brasileiro João Guimarães Rosa), vai estar presente em Coimbra até 29 de dezembro, com a participação de 39 artistas de 21 países, numa seleção que procurou ser paritária em relação ao género (19 mulheres e 20 homens) e às diferentes gerações, com uma aposta em jovens e emergentes artistas, que partilham o espaço com nomes consagrados como a americana Susan Hiller, o cineasta e artista plástico britânico Steve McQueen e a egípcio-canadiana Anna Boghiguian.

Continuando com o Mosteiro de Santa Clara-a-Nova como um dos espaços expositivos centrais, a bienal ocupa também o Colégio das Artes, o Museu da Ciência, Sala da Cidade de Coimbra ou as Galerias Avenida, entre outros espaços.

O curador da Anozero’19, o brasileiro Agnaldo Farias, disse à agência Lusa que aceitou o desafio por se tratar de uma “bienal jovem”, ao invés da de São Paulo, da qual já foi curador, que tem “o defeito das grandes exposições”, que “são quase invisitáveis”.

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“Se quiseres esconder um artista, coloca-o numa dessas bienais, que ninguém vê. 160 artistas numa bienal é insuportável, é como ir a um supermercado: há muita coisa, muito assunto e muita conversa”, salientou.

Em Coimbra, Agnaldo Farias encontrou uma cidade voltada para a ciência e para o conhecimento, que se pode afirmar “como um dos lugares privilegiados da arte, especialmente da arte contemporânea”.

O também professor da Universidade de São Paulo e curador-geral do Museu Oscar Niemeyer referiu que quis desde o início uma paridade de género, porque as mulheres “continuam a sofrer discriminações em todos os quadrantes” e, também, um equilíbrio entre jovens artistas e nomes consagrados, por não ter “graça nenhuma colocar apenas artistas que já estão ou irão para museus”, acrescentou.

Considerando que “a arte é sempre política”, o Anozero’19 assume-se como um agente provocador, um espaço onde, seguramente, “vários trabalhos incomodarão, vários trabalhos não serão compreendidos e vários trabalhos deixarão irritados os visitantes”.

Nesse sentido, a bienal “remexe e revolve”, porque “é fundamental irritar”, especialmente “num mundo profundamente narcisista, em que as pessoas só gostam daquilo [de] que já gostam e só vão atrás de coisas que já as reiteram”.

“O encontro com a arte – com aquilo que não se conhece – é a possibilidade de ampliação, de vir a ser aquilo que ainda não se é”, vincou Agnaldo Farias.

Apesar disso, haverá também trabalhos contemplativos, até como contraponto a uma sociedade onde “não se consegue ficar em silêncio”.

“As pessoas não são deixadas a sós e não conseguem lidar com a sua solidão. A arte também pode ser um antídoto para isso”, salientou, referindo que tanto haverá momentos de recolha como de confronto com algo “delirante”, como a obra da dupla João Maria Gusmão e Pedro Paiva, num trabalho fílmico hipnótico comissionado para a bienal no Mosteiro de Santa Clara-a-Nova.

Naquele edifício abandonado, situado na margem esquerda do rio Mondego, a equipa curatorial procurou induzir um circuito, onde as obras ocupam salas, antigo refeitório, corredores centrais e anexos.

Por lá, encontra-se um jogo de encaixes do polaco Przemek Pyszczek, um “trabalho carismático” de Renato Ferrão com projeções em três quartos ou um conjunto monumental da paulista Erika Verzutti, comissariado pela equipa curatorial, prática recorrente nesta bienal, com 20 das 39 obras a terem sido produzidas propositadamente para o evento, disse à agência Lusa Agnaldo Farias.

A reflexão sobre o tempo a partir de uma ampulheta de onde vai escorrer um fio de areia ao longo da bienal (Laura Vinci) ou o diálogo entre um poema de Natália Correia e o conto de Guimarães Rosa (Marilá Dardot) são outras das propostas para o convento.

Na Sala da Cidade, encontra-se o trabalho do paulista José Spaniol – “com vocação para ser a estrela da bienal”, disse o curador – e, pelas ruas de Coimbra, será possível ver os painéis da turca Meriç Algun, com perguntas encontradas em formulários de pedidos de visto.

No Colégio das Artes, Steve McQueen apresenta uma obra de 2002, “Once Upon a Time”, uma sequência de 116 imagens fotográficas que a NASA enviou para o espaço acompanhada por uma banda sonora construída a partir de vozes de línguas desconhecidas.

Pela bienal, será ainda possível ver a reflexão da peruana Maya Watanabe sobre a guerra civil que afetou o seu país ou a obra “Foreign Office”, da marroquina Bouchra Khalili, que mergulha no passado perdido da era do pós-independência da Argélia.

Susan Hiller, Anna Boguiguian ou David Claerbout são outros dos artistas presentes na bienal, estando também representados Ana Hatherley e Augusto de Campos, a partir de uma exposição sobre poesia concreta e visual, com curadoria de Tomás Cunha Ferreira, artista que também participa no evento.

A bienal pode ser visitada até 29 de dezembro, contando ainda com exposições temporárias, oficinas, leituras, debates, visitas guiadas e outros eventos paralelos.