Espanha foi a votos quatro vezes nos últimos quatro anos porque o sistema bipartidário acabou e os consensos se complicaram, consideraram analistas políticos, defendendo que a questão da Catalunha pode ser o fator decisivo de entendimento.

“O sistema partidário espanhol era um sistema de dois partidos, em que o principal partido da direita e o principal partido da esquerda eram capazes de formar uma maioria sozinhos ou com o apoio de algumas forças periféricas nas várias autonomias”, lembrou o investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI) Carlos Gaspar.

No entanto, “esse sistema acabou com a ascensão do Podemos, do Ciudadanos e agora também do Vox”, adiantou à Lusa, referindo que “o sistema passou a ser multipartidário”.

O novo panorama aumentou a “confrontação entre os partidos políticos” até “pelo temor [dos partidos] de perderem o seu próprio espaço político”, explicou a investigadora do Real Instituto espanhol El Cano Patrícia Lisa.

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Há uma grande competição dentro dos respetivos espaços políticos. E nesse sentido, estamos a assistir a uma sucessão de vetos cruzados e um acentuado tom confrontacional”, acrescentou.

Segundo esta investigadora, “as dificuldades que o sistema político [espanhol] está a ter advêm dos efeitos da crise [económica do início da década] e está a ser visível também noutros Estados europeus”, incluindo Portugal.

A menos de uma semana das eleições legislativas de Espanha – que se realizam no próximo domingo – a possibilidade de se conseguir um entendimento entre partidos e, consequentemente, a formação de um governo que leve o mandato até ao fim parece estar a ser ajudada sobretudo pelos problemas que se registam na Catalunha.

Aparentemente, estes acontecimentos têm um certo impacto nas tendências de voto”, admitiu o professor de Estudos Europeus José Pedro Fernandes, defendendo que “são acontecimentos que mobilizam muito, contra e a favor, a população espanhola”.

É inevitável que a questão da Catalunha – que viu formarem-se várias manifestações e episódios de violência depois da condenação dos principais dirigentes do independentismo catalão a penas de prisão – tenha impacto no resultado eleitoral, afirmou.

“Vê-se a preocupação dos partidos, do PSOE e do Governo em querer mostrar uma imagem de firmeza, lidar com a Catalunha no sentido de evitar perder terreno sobretudo para os eleitores mais de centro, centro-direita, onde essa fragilidade obviamente cairia muito mal”, acrescentou José Pedro Fernandes.

Afirmando acreditar que vai, outra vez, ser difícil conseguir formar uma coligação para governar com os resultados das eleições de 10 de novembro, o analista adianta considerar que a questão nacionalista da Catalunha já fez um vencedor: o partido de extrema-direita Vox.

O próprio nacionalismo da Catalunha acaba por alimentar este lado mais nacionalista espanhol. E o Vox é provavelmente o principal ganhador disso”, disse.

Uma ascensão que, segundo o analista, se tornou possível “há cerca de uma década, e, sobretudo, desde a crise da zona euro” porque se passou a assistir “a uma fragmentação política que permite esta radicalização mais à extrema-direita”. Para José Pedro Fernandes, a estabilidade política em Espanha não parece nada garantida.

Salvo alguma mudança de alinhamento dos partidos, que poderá acontecer mais à frente, o cenário não me parece nada animador do ponto de vista destas eleições serem claras no sentido da formação de um Governo estável”, admitiu.

Ainda assim, considera que estas eleições têm de resultar num governo que dure. “Pode haver aqui uma hipótese, apesar de tudo, de alguma mudança dos partidos, alguma flexibilidade maior, eventualmente do Podemos, para apoiar um Governo do PSOE, sobretudo até com algum receio de abrir a porta aos partidos mais à extrema-direita”, referiu, reconhecendo que os problemas na Catalunha “não foram genericamente bons” para o PSOE.

Também Carlos Gaspar considera que a crise da Catalunha “pode mostrar que o preço de um novo falhanço [num entendimento para Governar] é demasiado alto”.

Para o membro da direção do IPRI, a crise “pode forçar o PSOE e o Ciudadanos a entenderem-se, uma vez que são os partidos que têm posições comuns mais fortes sobre todas as questões que são relevantes para a política espanhola, que são a unidade do Estado, a questão da Catalunha, a monarquia, a questão do regime e a integração europeia”.

E como “o PSOE e o Ciudadanos têm posições muito semelhantes e conciliáveis em todas essas matérias, à partida os números dão-lhes a possibilidade de fazer uma maioria parlamentar e um Governo de coligação e ter, pela primeira vez, uma verdadeira partilha do poder”, defendeu.

Julgo que se pode dizer que à quarta [eleição] é de vez e que existem, sobretudo por causa da questão da Catalunha, novas condições para uma coligação”, considerou ainda.

A campanha eleitoral para as eleições começou oficialmente na sexta-feira, apesar de todos os partidos estarem a tentar ganhar votos desde finais de setembro, quando o Rei de Espanha constatou a falta de apoios para investir um executivo minoritário socialista.

Nas legislativas de 28 de abril, o PSOE obteve 123 deputados (28,68% dos votos), o PP 66 (16,70%), pouco à frente do Ciudadanos, com 57 (15,86%).

A coligação Unidas Podemos (que inclui o Podemos) obteve 42 assentos parlamentares (14,31%) e o Vox 24 (10,26%).