Kevin Weil, vice-presidente de produto na Calibra, a associação da criptomoeda do Facebook, subiu ao palco da Web Summit nesta terça-feira para falar, com confiança, do projeto que assustou várias instituições, inclusive o Congresso dos EUA: a Libra, a moeda digital da mesma empresa que tem a rede social mais utilizada em todo o mundo. “É muito caro ser pobre”, explicou Weil sobre a “missão” que aceitou.

Weil falou do medo na sala sem rodeios: “Vão existir pessoas que não estão confortáveis a utilizar produtos financeiros do Facebook. E isso não tem mal”. Depois, deixou ainda a promessa de que os dados financeiros relacionados com a utilização da Libra serão separados dos dados da redes social.

Quem ouviu Weil falar viu um cenário bem diferente do que aquele que Mark Zuckerberg, o presidente executivo e líder do Facebook, não explicou no Congresso dos EUA. Sem papas na língua, o responsável da Calibra falou de um futuro com uma criptomoeda mundial que vai resolver os problemas financeiros das pessoas. “A melhor altura para se construir uma árvore foi há 10 anos. Isto está a evoluir. Há 1,7 mil milhões de pessoas que guardam o seu dinheiro num sofá. Se pudermos mudar isso para que, quem tenha um telefone tenha também acesso ao mesmo tipo de contas, isso é bom”, disse Weil.

Como explicou o responsável, o objetivo da criação da Calibra é facilitar transações monetárias. “Se estiver nas Filipinas e perceber que se pode ir para outro país trabalhar para ganhar mais dinheiro, para enviar dinheiro as taxas são muito altas. O pior é que demora 2 a 3 dias. Se forem um marido e mulher já estão a ter uma conversa de WhatsApp: por que não enviar dinheiro assim?“.

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“Este é um produto diferente do que o que já fizemos. Anunciámos muito cedo. Mostrámos o plano e mostrámos logo imagens de produto”, assumiu Weil. Contudo, ter sido precoce na comunicação do projeto foi “uma coisa boa”. “Temos de garantir que vai ser bom para empresas, é preciso falar com reguladores, com bancos. E fizemos a coisa certa”, explicou.

Toda a inovação que foi lançada nos últimos 100 anos, desde filmes à televisão, à rádio e as bicicletas, teve imensos retrocessos, e isso é OK, estávamos à espera”, disse Kevin Weil, que salientou que “há 18 meses isto era apenas uma ideia”. “Hoje temos connosco 21 organizações fantásticas e empenhadas. Espero que o numero cresça”, sublinhou.

Todo este processo da Calibra e da Libra, acrescentou o vice-presidente de produto, “não é uma jornada pequena”. “Não é algo que podemos fazer sozinhos. Sabíamos de inicio que íamos ter de ter parceiros”, disse. E voltou a sublinhar: “Isto vai ser o trabalho de décadas, é uma jornada que estamos a fazer”. A motivação da Libra, acrescenta, é “a ideia de fazer com que a infraestrutura financeira esteja disponível para mais pessoas no mundo”. “O sistema pode ser melhor do que é e deveria ser”.

Vamos poder trocar dinheiro como trocamos emails?

Como já havia sido anunciado, inicialmente a Libra vai funcionar apenas com WhatsApp e o Messenger, as plataformas de mensagens do Facebook. Contudo, a carteira digital Calibra, na qual se vão guardar as criptomoedas, vai ser mais livre.

“Peguem na vossa preferida carteira digital, seja o Paypal, o Venmo, o que for. Nada disso funciona em conjunto. Não é dessa forma que o mundo deve funcionar. A Libra vai funcionar como o email. Não devemos decidir que serviço de email vamos utilizar antes de enviarmos dinheiro (…). Isto tem de ser construido com um protocolo, mas toda a gente vai poder construir carteiras para a Libra e todas vão funcionar”, explicou Weil.

A privacidade continua a ser o mote para reconquistar a confiança dos consumidores e, mais uma vez, o Facebook — desta vez por Weil no palco da Web Summit — prometeu: “Estamos comprometidos publicamente que os dados financeiros e a Calibra vão ficar separados dos dados das redes sociais. E não vão ter publicidade direcionada a vocês”.

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O Facebook anunciou a criptomoeda Libra em junho. A rede social vai utilizar a tecnologia de encriptação para permitir efetuar transações virtuais entre pessoas e organizações sem intermediários. Além disso, criou uma subsidiária chamada “Calibra” para o investimento nesta moeda digital. A Calibra vai fazer parte da “Rede Libra”, a associação da criptomoeda que ainda conta com a participação de empresas como a Vodafone, a Uber, o Ebay, o Spotify. Empresas como a Visa ou a Mastercard faziam parte mas já saíram do projeto depois dos receios levantados.

As criptomoedas são unidades de dinheiro digital que utilizam como base a tecnologia blockchain. Esta inovação tem gerado bastante interesse entre os investidores — e assustado a banca. Em 2018, a bitcoin, criptomoeda mais conhecida, bateu recordes, com os primeiros investidores a tornarem-se multimilionários. Depois, desceu a pique — mantendo, mesmo assim, uma valorização de cerca de dois mil euros — para, agora, ter subido novamente. Contudo, as quedas num espaço de horas de oscilação de valor desta moeda rondam, por vezes, os milhares de euros (uma bitcoin vale, atualmente, cerca de 8.300 euros, há dois meses valia cerca de 6.700).

A Web Summit arrancou oficialmente no final desta segunda-feira e vai decorrer até 7 de novembro. Nesta terça-feira, o palco principal da Altice Arena vai receber ainda nomes como Brittany Kaiser (ex-analista na Cambridge Analytica) e Rohit Prasad (o “pai” da Alexa da Amazon).