O fim de semana passado foi totalmente atípico na liga espanhola. Para começar, o Barcelona perdeu no terreno do Levante após ter estado a ganhar, sofreu três golos em sete minutos e deixou a Real Madrid, Atl. Madrid e Sevilha a porta da liderança totalmente aberta; os dois últimos, curiosamente, tinham encontro marcado pouco depois e não foram além de um empate que os deixou apenas um ponto mais próximos dos catalães; e o Real Madrid, seguindo a mesma linha de pensamento, não soube bater o Betis e não aproveitou o autêntico presente da equipa de Ernesto Valverde. Ou seja, contas feitas, e mesmo depois de uma derrota pesada e quase humilhante, o Barcelona regressava esta terça-feira à Liga dos Campeões na condição de líder da liga espanhola.

Nélson Semedo é cada vez mais um ás mas o castelo de cartas do Barcelona desmoronou na mesma

Mas não sem mazelas. Suárez lesionou-se e era uma baixa de peso na antecâmara da receção aos checos do Slavia Praga. Além disso, Valverde encontrou no brasileiro Arthur, titular com o Levante, uma espécie de bode expiatório da derrota interna e deixou o médio fora da lista de convocados. Na hora de escolher o onze inicial, o já contestado treinador apostava em Busquets, Vidal e De Jong no meio-campo e lançava Dembélé no lugar de Suárez, a completar o trio ofensivo com Griezmann e Messi, privilegiando a escolha do francês à do jovem Ansu Fati.

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Na Liga dos Campeões, apesar da irregularidade na liga espanhola, o Barcelona entrava em campo esta quarta-feira numa posição confortável: enquanto líder do Grupo F, com mais três pontos que Inter Milão e Borussia Dortmund e mais seis que o Slavia Praga, a depender totalmente de si mesmo para seguir para os oitavos de final. Ainda que a Champions seja esta temporada uma memória agridoce para os catalães — a recordação da remontada sofrida às mãos do Liverpool em Anfield que roubou a final de Madrid ainda está muito fresca –, a verdade é que o alargar do período temporal sem conquistas europeias, quando a última foi já em 2015, começa a ter cada vez mais peso em Camp Nou. Esta semana, em entrevista à World Soccer, Messi reconheceu que tem “saudades” de ganhar a Liga dos Campeões e que os objetivos catalães têm obrigatoriamente de passar pela Europa.

Face à lesão de Suárez, Dembélé regressou ao onze inicial do Barcelona

A estatística, à partida, abonava a favor do Barcelona: à entrada para a partida, os catalães não perdiam em casa para a Liga dos Campeões há 33 jogos (30 vitórias, três empates) e o Slavia Praga nunca tinha vencido fora na liga milionária. Ainda assim, e tal como tinha acontecido na República Checa, o Slavia não demorou muito a deixar visível que tinha viajado até Camp Nou para jogar de igual para igual e para discutir o resultado até às últimas instâncias — até porque algo que não uma vitória significaria uma eliminação quase garantida. Os checos apresentaram-se com uma primeira linha muito subida, a deixar vários metros totalmente vazios entre o setor defensivo e a grande área. Essa linha, porém, era muitas vezes composta por seis elementos e não pelos quatro que o 4x1x4x1 do sistema tático indicava, já que Olayinka e Sevcik, os homens responsáveis pelos corredores, desciam no processo defensivo para a posição de laterais e ofereciam a possibilidade de uma estratégia com três centrais.

Mesmo com uma defesa a seis quando o Barcelona tinha a bola, que ocupava toda a largura do relvado, o Slavia Praga tornava-se suscetível a desmarcações rápidas por parte dos catalães ao jogar com o primeiro bloco muito subido. Foi isso que Nélson Semedo tentou aproveitar, lançado na profundidade por um grande passe de Piqué, quando viu Kolar defender um remate já em desequilíbrio (11′). Apesar dessa fragilidade, os checos não mostravam receio na hora de avançar e provocaram vários calafrios à defesa catalã — principalmente no corredor esquerdo do ataque, que era defendido por Semedo e onde Olayinka aparecia cheio de intenção –, até porque a equipa de Ernesto Valverde parecia algo adormecida e não conseguia impor a óbvia diferença de qualidade entre os dois conjuntos.

Essa diferença, contudo, ficava visível quando o Slavia Praga tinha a bola: os checos estavam a ser eficazes nas recuperações de bola, conseguiam conduzir até ao último terço do Barcelona mas falhavam o passe decisivo e eram inocentes em critério e forma. A melhor oportunidade da primeira parte acabou por surgir junto à baliza de Kolar: Messi, lançado por Vidal numa das transições rápidas que apanhava desprevenida a defesa checa, tombou da direita para o meio e rematou de pé esquerdo ao poste (35′). Na ida para o intervalo, era notória a ideia de que o Barcelona não estava a jogar bem, a cometer muitas faltas junto à grande área e visivelmente surpreendido pela forma como o Slavia Praga estava a atuar em Camp Nou.

Ao intervalo, Valverde trocou os laterais com a entrada de Sergi Roberto, que foi para o corredor direito, e a saída de Jordi Alba (que terá saído lesionado), indo Nélson Semedo para a esquerda da defesa. O jogador português, que foi, a par de Messi, o melhor elemento dos catalães na primeira parte, passava a atuar nas costas de Griezmann para tentar exponenciar o jogo do francês — que, tal como o compatriota Dembélé, estava muito apagado. Beneficiando também do compreensível desgaste do Slavia Praga, o Barcelona apresentou-se mais intenso na segunda parte, com os setores mais próximos e mais subidos e sem permitir as saídas de bola que os checos ainda conseguiram no primeiro tempo.

A primeira imagem disso mesmo apareceu logo aos dez minutos, quando Sergi Roberto apareceu solto na cara de Kolar e rematou para (mais) uma grande defesa do guarda-redes do Slavia (55′). Quatro minutos depois, Vidal acabou por conseguir colocar a bola dentro da baliza mas Messi, na altura do passe, estava fora de jogo e o lance foi anulado (59′). Mesmo a controlar as ocorrências — à exceção de algumas desatenções que os checos iam explorando, principalmente a partir das substituições –, o Barcelona estava com dificuldades para desatar o nó e era fulcral a ausência de Suárez, um ‘9’ com presença na área, que nem Griezmann nem Dembélé conseguiam colmatar.

Valverde lançou Rakitic para o lugar de Busquets e Ansu Fati para o de Dembélé, numa altura mais morna do jogo em que a ida de Nélson Semedo para a esquerda começava a ter impacto na quebra de rendimento do lateral e no fluxo ofensivo dos catalães. O Barcelona, que nos últimos dez minutos acabou mesmo por jogar mais com o coração do que com a cabeça, não conseguiu marcar e permitiu um nulo em casa com o Slavia Praga — ficando, ainda assim, com a tranquilidade de permanecer na liderança do grupo aconteça o que acontecer entre Inter e Dortmund. Depois da derrota quase escandalosa com o Levante, os catalães não alcançaram mais do que um empate com uma equipa claramente inferior e ficaram reféns de uma boa exibição do guarda-redes Kolar. Messi tem saudades da Champions, Valverde quer segurar o cargo: mas a equipa terá de fazer muito mais para garantir essas duas premissas.