O historiador Pedro Canavarro lançou esta quarta-feira, em Santarém, a sua autobiografia, livro que Rui Vieira Nery apresentou como um testemunho de vida “honesto e transparente” de alguém que viveu “intensamente no coração” do meio cultural, intelectual e político do país.

“Na Casa de Pedro”, uma edição da Caleidoscópio, foi lançado ao princípio da noite de quarta-feira no salão nobre dos Paços do Concelho, em Santarém, um espaço que o académico, que foi eurodeputado e líder do extinto Partido Renovador Democrático (PRD), escolheu para “abrir o baú” e “despojar-se às leituras mais diversas”.

O antigo secretário de Estado da Cultura e atual diretor do Programa Gulbenkian Cultura, Rui Vieira Nery, amigo de longa data de Pedro Canavarro, salientou o quão rara é a publicação de autobiografias que fogem ao “autoelogio” ou à “autodefesa” e que permitem, como é o caso, ter acesso ao “testemunho de 60 anos da História de Portugal dado por alguém que viveu intensamente esse período no coração do meio cultural, intelectual e académico, mas também no coração da sociedade política”, e que o faz com “um olhar honesto, atento e percetivo sobre essa experiência”.

“[Pedro Canavarro é] alguém que estava suficientemente dentro da esfera do poder para conhecer como ela funciona e suficientemente fora e independente para poder ter sobre ela uma visão crítica. Isso é um dado precioso”, declarou.

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Para o historiador e musicólogo, Pedro Canavarro, atualmente com 82 anos, não se limita a deixar o testemunho sobre o seu percurso público, abrindo ao leitor o seu percurso de vida também na dimensão íntima e privada, deixando retratos confessionais, do seu mundo interior, mas igualmente do mundo e da sociedade, “elementos historiográficos importantes para os historiadores”.

“É de uma honestidade e de uma transparência pouco habitual, em relação ao seu próprio percurso de vida, o que nos dá também testemunho dessa mudança de atitudes, em todos os campos, desde a relação com a família, a relação amorosa, com os amigos, com colegas”, que deixam perceber “como é que as pessoas interagem na sociedade e como é que esse processo se transformou ao longo destes anos”, que foram de “profunda transformação” na sociedade portuguesa, disse.

Vieira Nery referiu ainda o facto de Pedro Canavarro ser “um homem independente”, que “fez sempre questão de ser um homem livre”. “Podia ter feito uma carreira académica brilhante e seria hoje um distinto catedrático jubilado. Nunca aceitou as subserviências que isso implicava e teve obstáculos completamente ilegítimos para o que seria o procedimento normal dessa carreira”, salientou.

Entrou na política ativa e, também aí, “poderia ainda hoje ser um senador da República”, mas “preferiu estar onde teve de estar no momento certo e sair porque quis sair pelo seu próprio pé”, disse, acrescentando, em tom “de brincadeira”, que Pedro Canavarro “é demasiado fidalgo para aceitar ser barão”. “Esta vontade de independência, esta liberdade de olhar e o testemunho livre que desse olhar nos advém através do livro é uma coisa que lhe fica bem, que mostra uma integridade e um sentido de dignidade pessoal que não é tão comum como isso”, destacou.

Trineto de Passos Manuel, é na casa que o político e ministro liberal do século XIX construiu em Santarém que Pedro Canavarro vive, e que transformou em “casa-museu”, convidando quem o visita a ver a paisagem que Almeida Garrett descreve em “Viagens na Minha Terra”, depois de ter pernoitado no quarto que hoje é o seu.

É esta casa que simbolicamente dá título a um livro que implicou “coragem” porque, “ou tem verdade em permanência ou não faz sentido”, e “a verdade normalmente é muito difícil não só de se assumir, como de transmitir aos outros”, sobretudo em países relativamente pequenos e com sociedades relativamente fechadas, disse Pedro Canavarro à Lusa.

Pedro Canavarro é licenciado em História pela Faculdade de Letras de Lisboa, onde lecionou História de Arte, Arte Portuguesa e Ultramarina, Civilização Grega, Urbanismo e Cultura Portuguesa. É também diplomado em Museologia e Conservação de Museus e foi leitor de português no Japão, tendo dirigido a Associação de Amizade Portugal-Japão. Foi comissário-geral da XVII Exposição de Arte, Ciência e Cultura, sobre os Descobrimentos Portugueses e a Europa do Renascimento, em 1983.

Foi deputado no Parlamento Europeu entre 1989 e 1991 pelo Partido Socialista e entre 1991 e 1994 pelo PRD, tendo sido ainda candidato independente às eleições europeias em Itália.

Numa sessão que contou com a presença do presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, e da autora da introdução, a historiadora Maria Emília Pacheco, foi sublinhada a ligação que Pedro Canavarro manteve desde sempre à cidade, onde foi vereador e presidente da Assembleia Municipal, além de ter criado a Associação de Defesa do Património Histórico-Cultural de Santarém e de ter dirigido a Casa da Europa do Ribatejo e o Círculo Cultural Scalabitano.