Timor-Leste está a tentar travar a insolvência dos estaleiros da Figueira da Foz, incluindo revitalizar a empresa, para não perder 14,3 milhões de euros que pagou por um navio, há anos por terminar, segundo um relatório parlamentar.

Um relatório do Parlamento timorense a que a Lusa teve acesso e fontes ligadas ao processo referem que o prazo para a solução é 19 de novembro, data em que termina um período dado pelo Estado português a um plano especial de recuperação financeira.

Após se debater com dois processos de insolvência levantados por trabalhadores e outros credores, os estaleiros da Figueira da Foz requereram um plano especial de recuperação financeira ao Estado português”, refere-se no relatório.

Esse plano “determinou um prazo de 60 dias que já se esgotou no passado dia 19 de outubro de 2019, mas que pode excecionalmente se estendido por mais 30 dias (…) para que um acordo seja firmado com o governo de Timor-Leste, viabilizando-se o futuro da empresa antes que esta seja sujeita a um processo compulsivo de liquidação”.

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Em causa está o projeto de construção de um ferry, o Haksolok, destinado à ligação com o enclave de Oecusse e a ilha de Ataúro, adjudicado pelo governo timorense à empresa Atlantic Eagle Shipbuilding em 2015. A construção começou em 2016, nos estaleiros da Figueira da Foz, mas foi suspensa em 2017 “devido a constrangimentos de natureza financeira do referido construtor naval”.

Fontes da Região Administrativa Especial de Oecusse-Ambeno (RAEOA) — zona que será servida pelo navio – e do governo timorense confirmaram à Lusa que Timor-Leste, que já é credor da empresa, está a estudar várias possibilidades “para manter a empresa à tona”. “Há várias opções em cima da mesa. O objetivo é não perder o dinheiro já investido e tentar que o navio seja concluído”, explicou fonte do governo em Díli.

Dado o estado avançado da construção, mudar o navio para outro estaleiro teria custos muito elevados. Pretende-se concluir o processo de forma favorável a Timor-Leste. Provavelmente haverá ainda este mês novidades”, disse fonte da RAEOA.

Segundo as mesmas fontes, revitalizar a empresa, obter financiamento, renegociar as dívidas dos credores ou até uma participação de Timor-Leste no capital da empresa são algumas das opções estudadas.

A tentativa de resgatar o projeto e evitar mais perdas para Timor-Leste levaram a RAEOA a comprar dívida aos trabalhadores do estaleiro, que tinham pedido a insolvência. Apesar de se tornar, ao comprar a dívida aos trabalhadores, credora do estaleiro, o receio de insolvência manteve-se, pelo que foi decidido avançar com a compra de “créditos marítimos privilegiados” através dos quais conseguiria recuperar “pelo menos o valor pago”.

O assunto tem causado polémica em Timor-Leste, com trocas de acusações de responsabilidade, em particular porque o governo estima que a construção do navio e de dois pontões para a sua operação vão custar mais 12,5 milhões de euros.

O projeto começa com dois contratos, um com os estaleiros de Viana do Castelo para a compra de equipamento e do projeto de construção e um segundo com o armador Atlantic Eagle Shipbuilding, operador dos estaleiros da Figueira da Foz para o fabrico do navio em si.

Dificuldades financeiras do estaleiro levaram o Estado português a apoiar na obtenção de um seguro de garantias para a realização do projeto cuja gestão só passou depois do governo central para a autoridade da RAEOA.

A situação do navio foi um dos temas na agenda de uma visita que uma delegação de deputados timorenses da Comissão de Finanças Públicas efetuou em setembro a Portugal em que foram ouvidas várias partes envolvidas no projeto, que continua “sem data de conclusão”.

Trata-se, escrevem os deputados, de um “longo e complexo processo” em que “todas as partes envolvidas (…) tiveram a sua quota-parte de responsabilidade”, incluindo os governos de Portugal e de Timor-Leste.

O governo timorense é responsabilizado por ter comprado aos estaleiros de Viana do Castelo, quando estes já estavam num processo de insolvência, “um desenho de navio que não tinha as características necessárias para o fim a que se destinava em Timor-Leste”. É ainda responsabilizado por ter adquirido “uma grande quantidade de equipamento necessário à construção (…) que demorou um ano a levantar dos estaleiros”, permitindo desvios de parte do material.

O relatório responsabiliza o Governo português, “enquanto detentor da holding que geria os estaleiros de Viana do Castelo” porque “não acautelou devidamente o equipamento novo adquirido por Timor-Leste que estava à sua guarda em regime alfandegário”. Portugal, diz-se no relatório, permitiu que “parte do equipamento fosse desviado antes da sua entrega ao armador” e exigiu a Timor-Leste “que tivesse despesas adicionais com a compra do material que desapareceu”.

À autoridade da RAEOA, os deputados criticam os “adiantamentos significativos aos estaleiros da Figueira da Foz, apesar de conhecer os seus constrangimentos financeiros, sem salvaguardar devidamente o património do Estado timorense”.

No relatório, os deputados criticam igualmente Luís Pité, consultor envolvido na operação, “por ter aconselhado o governo de Timor-Leste a comprar aos estaleiros de Viana do Castelo um projeto de arquitetura de um navio que não tinha originalmente as características necessárias ao fim a que se destinava em Timor-Leste”. Pité é ainda criticado por “recomendar que a construção do navio fosse feita nos estaleiros da Figueira da Foz, sem estarem salvaguardadas as necessárias garantias de solvabilidade da empresa da AtlanticEagle que explorava os referidos estaleiros”.

Ainda que a construção tenha atingido apenas 70%, os pagamentos da RAEOA já atingiram os 90%, sendo que o ferry continua a ser “parte do património da empresa Atlantic Eagle e não do Estado timorense”, refere-se no documento.