O Conselho das Escolas (CE), órgão consultivo do Ministério da Educação que representa as escolas públicas perante o Governo, considera que as medidas incluídas no polémico despacho relativo à identidade de género nas escolas “não protegem” a identidade dos alunos e criam o risco de “dar visibilidade a uma matéria que exige privacidade”. Aquele conselho vai ainda mais longe e classifica como “entorse administrativa” a exigência de utilizar o novo nome dos alunos em algumas situações, mantendo o nome incluído no cartão de cidadão para outros efeitos.

Numa recomendação publicada online citada esta sexta-feira também pelo jornal Público —, o CE analisa o despacho ao detalhe e deixa críticas às várias medidas incluídas no diploma.

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A primeira preocupação do CE é relativa ao artigo 4.º do despacho, relativo aos “mecanismos de deteção e intervenção” que as escolas devem adotar para apoiar crianças “que manifestem uma identidade ou expressão de género que não corresponde à identidade de género à nascença”. Enquanto o despacho prevê que estes mecanismos devem ser ativados pela escola “após ter conhecimento da situação prevista no número anterior ou quando a observe em ambiente escolar”, o CE considera que apenas se deve recorrer a estes procedimentos a pedido do aluno ou do encarregado de educação ou quando o aluno se encontre em situação de perigo. Caso contrário, há o risco de violar a privacidade da criança ou jovem em questão, considera o conselho.

“Os mecanismos de deteção e intervenção previstos no art.º 4.º podem tornar mais visíveis situações e opções dos jovens a que os próprios não querem dar visibilidade, mas sim manter privadas”, afirma o Conselho das Escolas no comunicado.

É precisamente a questão da privacidade que leva o CE a questionar também as medidas relativas à identidade. No artigo 5.º, o despacho prevê que deve ser usado nos documentos administrativos da escola o “nome autoatribuído”, devendo para isso as escolas adequar “a documentação de exposição pública e toda a que se dirija a crianças e jovens” para que o nome do aluno em questão passe a ser o pretendido.

É aqui que o CE encontra a incoerência. Isto porque, de acordo com a legislação já em vigor, enquanto a identidade não for oficialmente mudada no registo civil, o nome que figura no cartão de cidadão continua a ser o único aceite em situações oficiais. O próprio despacho sublinha que esta mudança de nome deve ser feita “sem prejuízo de assegurar, em todo o caso, a adequada identificação da pessoa através do seu documento de identificação em situação que o exijam, tais como o ato de matrícula, exames ou outras situações similares”. A forma que a legislação encontra para preservar esta identidade é a inclusão, na documentação que é publicamente exposta, das iniciais do nome próprio oficial entre o nome autoatribuído e os apelidos.

“Não nos parece viável que, simultaneamente, as Escolas conformem os documentos administrativos de exposição pública com o nome autoatribuído (…) e garantam que ‘o mesmo não apareça de forma diferente da dos restantes alunos’. Isto porque, inevitavelmente, o nome dos alunos em transição de género aparecerá grafado de forma diferente da dos restantes, cujos nomes surgirão sem qualquer inicial, completos, tal como constam das bases de dados das Escolas“, explica o CE.

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Mais: a mudança do nome nos documentos de exposição pública enquanto se mantém o nome oficial para outras situações vai criar nas escolas “a situação absurda de o mesmo aluno ter dois nomes”. “Para uns efeitos, o aluno será identificado com o nome que consta do cartão de cidadão, para outros, será identificado com o nome autoatribuído.” É, na opinião do CE, “uma entorse administrativa que só pode dar origem a confusão e a uma desnecessária exposição dos alunos“.

Já relativamente à maior polémica causada pelo despacho — a utilização das casas de banho —, o CE sublinha que “a intimidade e privacidade” de todas as crianças e jovens na utilização das casas de banho deve ser assegurada pelas escolas, recomendando que o Ministério da Educação “promova, com a urgência possível, a reformulação dos espaços escolares, especialmente das casas de banho e dos balneários, de forma a criar condições que garantam e assegurem a privacidade de todos os alunos e, no limite, de qualquer elemento da comunidade escolar que os utilizam”.