Quando Honorina Ilka Saide entra em palco, o cenário muda para um ringue de boxe. Não, não é hora do combate, mas sim de contar histórias de luta, mudança e poder feminino. “O universo é como um ringue de boxe. Se não desistirem à primeira, têm outra oportunidade na segunda ronda”, conta Ilka, a primeira a falar no auditório da Católica School of Business & Economics, em Lisboa, que esta sexta-feira recebeu o evento “Different Stories Coming Together as One”, organizado pela Girl Move Academy.

Depois de falar de boxe e de superação, Ilka introduz uma estatística: “Uma em cada cinco mulheres em Moçambique sofre de violência de género”. Falou de como perder a posse do corpo provoca a perda da posse da mente e contou como fez nascer a associação WomenEmpower Mz. Ilka é uma de 34 jovens que integram a Girl Move Academy, uma Academia de Liderança que promove todos os anos a formação, o desenvolvimento pessoal e de carreira de cerca jovens moçambicanas licenciadas (Girl Movers).

Empoderamento da mulher, educação, artes, inclusão, ambiente e impacto: todos estes tópicos subiram a palco, no evento que juntou Girl Movers e changemakers nacionais e internacionais e que foi o culminar da experiência de estágio de 34 Girl Movers em Portugal. Um desses casos é Tânia Beque, licenciada em Educação Ambiental, que faz um balanço sobre tudo o que aprendeu nesta academia. “Aquilo que levo comigo é que realmente precisamos uns dos outros. O caminho é mais fácil se estivermos acompanhados de pessoas que nos apoiam”, explicou em conversa com o jornalista e cronista João Miguel Tavares. Espera um dia “que Moçambique seja um exemplo de conservação ambiental”.

Já Claudia Machaieie, também uma Girl Mover, trouxe o mar ao palco. Diz ser “apaixonada pela vida marinha”, licenciou-se em biologia marinha e assegura que quer fazer da sustentabilidade o seu apelido. “Eu juntamente com a minha comunidade costeira, vou restaurar o nosso pequeno pulmão de África”, sublinhou antes de introduzir Raquel Gaspar, também bióloga marinha e cofundadora da Ocean Alive, uma cooperativa que tem como objetivo a proteção do oceano e um foco especial no Estuário do Sado.

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De seguida, Sofia Nunes vem falar sobre a Girl Move Academy e do processo de Estágio de Vida, a terceira e última etapa do programa CHANGE. Esta é uma fase onde as 34 jovens fazem um estágio de dois meses em Portugal, vão para empresas parceiras e ganham experiência em organizações, institutos académicos, associações e startups. “Desenvolvemos competências de empreendedorismo de impacto”, explica Sofia, que ainda antes falou sobre o combate a três problemas em Moçambique: o casamento prematuro, a gravidez precoce e o abandono escolar. “É possível, sim, vestir a bata preta antes do véu branco”, terminou.

[A transmissão que o Observador fez em direto do evento:]

A sul-africana Thato Kgatlhanye, que foi considerada por Bill Gates como uma das jovens africanas que mais está a contribuir para a mudança no mundo, também falou em palco e disse ter uma esperança: “Que quando saírem desta porta acreditem no poder de uma jovem, no poder de uma mulher”. Tatho explicou como chegou à criação de uma mochila com painéis solares para que as crianças a usassem durante o dia e à noite pudessem ter luz, a partir da energia recolhida pelos painéis, para fazerem simples atividades como ler e estudar.

Quando esta ideia surgiu não foi porque queria ser um génio. Foi porque quero uma mudança. Temos de pensar no impacto social logo de início”, explicou Thato Kgatlhanye.

Seguiu-se Marcelo de Andrade, médico, atleta olímpico de remo, explorador e cofundador da Pro Natura Brasil, para falar sobre a importância da conservação ambiental. A seguir, Jorge Pina voltou a levar-nos para um ringue de boxe em palco. Utilizou-o para contou a sua história. “A minha vida foi uma escuridão durante muito tempo. Nasci num bairro problemático e o desporto foi a minha salvação”, explicou.

Jorge Pina destacou-se desde cedo como atleta de alta competição no pugilismo nacional. Um dia, enquanto se preparava para o campeonato do Mundo, perdeu a visão. Mas, garante, foi aí que aprendeu a ver verdadeiramente: tornou-se atleta paralímpico de maratona e criou a Associação Jorge Pina, que trabalha com crianças e jovens em risco. Porque, conta, “os maiores combates são os da vida”.

Roda Mabuluco também partilhou o seu trajeto e ideias em palco. Aos 20 anos, quando conheceu uma jovem cega que tinha sido obrigada a desistir de estudar geografia por causa da sua condição, Roda percebeu que era preciso fazer algo. Decidiu criar mapas táteis que permitem o acesso, sem entraves, a esta ferramenta. “Quantos de vocês conseguiam localizar Lisboa de olhos fechados? Foi a mesma pergunta que eu fiz quando conheci a Mónica”, explica.

O evento terminou com uma atuação do coro do Conservatório de Artes de Loures e com uma conversa entre a jornalista Cristiana Pereira e Bibi Gololombe — mais uma Girl Mover — , mas antes Roda Mabuluco ainda tinha algo a dizer às cerca de 400 pessoas presentes naquele auditório: “Há três anos que estou a viver para a inclusão. Há cinco anos que a Girl Move vive para nós.  Viver para os outros é uma regra da natureza”.